
Hoje tirei os óculos para enxergar o mundo um pouco melhor, é insuportável olhar tudo nitidamente e se sentir um imbecil, ver que todos estão corroborando para um mesmo fim; nos sentirmos imbecis e apáticos. Olhei para frente com minha retina despida de sua verdade, de seu filtro. Agora sim tudo fazia mais sentido. Enquanto tomava meu café na padaria do Tadeu, decidi que seria o meu ponto de partida. Meus óculos já descansando em meu bolso esquerdo. Olhei para o lado segurando minha xícara perto aos lábios, sentindo seu morno aroma adocicado e forte, que logo fez meus instintos soluçarem, acordando os nervos ainda adormecidos. Não sabendo que através deste novo mundo, sempre se vê novas pessoas. Ao meu lado estava um alcoólatra tomando café da manhã com uma “marvada” cachaça, seu aspecto era um tanto quanto soturno, mãos grossas, dedos igualmente grossos, além de trêmulas. Seu rosto era chupado pela magreza. Bebia apenas para esquecer de algo, entretanto havia esquecido este motivo, era apenas uma desculpa para continuar com embriaguez nas veias. Acabei me sentindo como aquele bêbado, embriagado por minhas próprias máscaras sociais, aquelas que permitem a eu mesmo ser uma pessoa apresentável, por mais que eu realmente não seja. Queria conversar um pouco com aquele pobre refém de seus vícios, pois também me via nele, incrustado em sua pele e suas tremedeiras. Acendi um cigarro e continuei a observar, queria ver ele puxar assunto, eu não tinha coragem para fazê-lo. Com meus olhos entreabertos o encarava nitidamente, acontece que isso não era o suficiente, não achava o canal necessário, enquanto me sentia oprimido por minhas escolhas, pedi uma cerveja. O gole desceu amargo, não como o de costume, nunca bebi de manhã assim de cara, bem estranho. Foi difícil engolir, e fiquei me perguntando como este sujeito agüentava aquela cachaça e, enquanto descia mais fácil o segundo trago, peguei mais um cigarro. Logo já havia bebido uns 5 copos, deixando meus sentidos um pouco turvo, mas molhado bem minhas palavras. Não demorou muito para eu falar alguma coisa:
- Eu odeio pessoas, você não? – Falei como se o conhecesse há muito, dando ênfase no final da frase, queria deixar claro que me direcionava a ele.
- Não. Só quando elas estão perto de mim – Sorriu com a boca fechada, tentando não mostrar a falta de dentes.
- Ótimo...Não teria respondido melhor! De todas as vezes que vim aqui, nunca havia visto senhor, esta cachacinha ai está boa?
- É a melhor coisa de todo o meu dia, nem a do lanchinho e a do almoço são tão boas...Gosto tanto desta merda que se não tiver dinheiro pra beber, bebo meu mijo, só bebo isso mesmo – o bafo tinha um forte odor alcoólico.
- Me parece uma vida bem interessante...Tentadora diria.
- Meu caro não há nada melhor. Cada pessoa tem sua moeda, e não seu preço. E esta é verdadeira relação das coisas...Moeda.
- Mas e dentro de cada moeda, todos têm seu preço? – Enquanto falava, com um gesto chamei o atendente e pedi mais uma cerveja, as idéias ainda inebriantes e cada vez mais. Ele continuou a palestrar.
- Veja por exemplo, se alguém for tentar me comprar, ou me empregar, falaremos em litros, bebidas e garrafas, acho que por isso continuo desempregado, ninguém entende isso...
- Claro que não! Entendo perfeitamente...Veja bem, criamos aqui na nossa sociedade uma forma única de relacionamento universal, dizem que é a música a verdadeira língua do mundo, é o dinheiro, isso sim..
- Mas eu só quero beber, apenas beber... – Suas mãos tremiam um bocado, ele limpava constantemente a boca após sorver um gole de cachaça, e quando acabou me olhou constrangido, esperando alguma reação de minha parte, nisso retruquei:
- Tadeu! Traz mais um copo e outra garrafa por favor, pelo visto a manhã começou tarde! – Estava começando a me animar com este papo, e para minha surpresa, mesmo que seja o óbvio, ele também começou a se animar. Pelo menos atenção eu tinha. Enquanto as palavras úmidas saiam ébrias da boca daquele homem, que para alguns teria uma aparência repulsiva, comecei a reparar naquele indivíduo. Olhando sua fisionomia percebi que não havia nada estancado em sua face; esperança, solidão, medo, perplexidade, desânimo...Sua expressão era de um extremo vazio, os olhos sem brilhos, apenas um leve sorriso com o matiz opaco. Impulsionado pelo álcool tinha os movimentos bem vagarosos, e gostava de gesticular todos seus argumentos. Aquilo realmente estava me animando, estava gostosa aquela vida, decidi me entregar mais e mais, e pedi desta vez duas rodadas de cachaça...A conversa ia longe, nisso ele emenda....
- Não sei o que é pior, perder na vida ou perder para a vida...Às vezes imagino que exista alguma força contra a gente, torcendo pra perdermos.
- Talvez seja tudo a mesma coisa, nós perdemos na vida, porque perdemos pra ela, por força de algo contra nós, nossos próprios vícios...
- Aí que o senhor se engana meu caro! – Sugou um longo gole, de uma vez só sua cachaça, enquanto eu pedia logo a garrafa ao garçom. Colocou violentamente o copo na mesa e espremeu um pouco a vista, deixando nítidas ainda mais suas rugas e apontando o dedo em minha direção respondeu – Mas nossos vícios surgem para acalmar nossas derrotas. Uma válvula de escape de nossas merdas...
- O que seriam estas merdas?
- Merdas...Merdas meu caro...Muitas merdas...Esta maldita palavra que não nos abandona do nosso cotidiano...
- E o que faremos a respeito? – Perguntei ascendendo mais um cigarro com a pontinha do outro que ainda não acabara.
- Bem, poderiamos beber mais uma cachacinha...
- E depois? – Indaguei enquanto me levantava e deixava o dinheiro de toda a conta.
- Não sei bem...Hoje escolhi ser um otário pra tentar não ver como as pessoas são imbecis.
- Eu odeio pessoas, você não? – Falei como se o conhecesse há muito, dando ênfase no final da frase, queria deixar claro que me direcionava a ele.
- Não. Só quando elas estão perto de mim – Sorriu com a boca fechada, tentando não mostrar a falta de dentes.
- Ótimo...Não teria respondido melhor! De todas as vezes que vim aqui, nunca havia visto senhor, esta cachacinha ai está boa?
- É a melhor coisa de todo o meu dia, nem a do lanchinho e a do almoço são tão boas...Gosto tanto desta merda que se não tiver dinheiro pra beber, bebo meu mijo, só bebo isso mesmo – o bafo tinha um forte odor alcoólico.
- Me parece uma vida bem interessante...Tentadora diria.
- Meu caro não há nada melhor. Cada pessoa tem sua moeda, e não seu preço. E esta é verdadeira relação das coisas...Moeda.
- Mas e dentro de cada moeda, todos têm seu preço? – Enquanto falava, com um gesto chamei o atendente e pedi mais uma cerveja, as idéias ainda inebriantes e cada vez mais. Ele continuou a palestrar.
- Veja por exemplo, se alguém for tentar me comprar, ou me empregar, falaremos em litros, bebidas e garrafas, acho que por isso continuo desempregado, ninguém entende isso...
- Claro que não! Entendo perfeitamente...Veja bem, criamos aqui na nossa sociedade uma forma única de relacionamento universal, dizem que é a música a verdadeira língua do mundo, é o dinheiro, isso sim..
- Mas eu só quero beber, apenas beber... – Suas mãos tremiam um bocado, ele limpava constantemente a boca após sorver um gole de cachaça, e quando acabou me olhou constrangido, esperando alguma reação de minha parte, nisso retruquei:
- Tadeu! Traz mais um copo e outra garrafa por favor, pelo visto a manhã começou tarde! – Estava começando a me animar com este papo, e para minha surpresa, mesmo que seja o óbvio, ele também começou a se animar. Pelo menos atenção eu tinha. Enquanto as palavras úmidas saiam ébrias da boca daquele homem, que para alguns teria uma aparência repulsiva, comecei a reparar naquele indivíduo. Olhando sua fisionomia percebi que não havia nada estancado em sua face; esperança, solidão, medo, perplexidade, desânimo...Sua expressão era de um extremo vazio, os olhos sem brilhos, apenas um leve sorriso com o matiz opaco. Impulsionado pelo álcool tinha os movimentos bem vagarosos, e gostava de gesticular todos seus argumentos. Aquilo realmente estava me animando, estava gostosa aquela vida, decidi me entregar mais e mais, e pedi desta vez duas rodadas de cachaça...A conversa ia longe, nisso ele emenda....
- Não sei o que é pior, perder na vida ou perder para a vida...Às vezes imagino que exista alguma força contra a gente, torcendo pra perdermos.
- Talvez seja tudo a mesma coisa, nós perdemos na vida, porque perdemos pra ela, por força de algo contra nós, nossos próprios vícios...
- Aí que o senhor se engana meu caro! – Sugou um longo gole, de uma vez só sua cachaça, enquanto eu pedia logo a garrafa ao garçom. Colocou violentamente o copo na mesa e espremeu um pouco a vista, deixando nítidas ainda mais suas rugas e apontando o dedo em minha direção respondeu – Mas nossos vícios surgem para acalmar nossas derrotas. Uma válvula de escape de nossas merdas...
- O que seriam estas merdas?
- Merdas...Merdas meu caro...Muitas merdas...Esta maldita palavra que não nos abandona do nosso cotidiano...
- E o que faremos a respeito? – Perguntei ascendendo mais um cigarro com a pontinha do outro que ainda não acabara.
- Bem, poderiamos beber mais uma cachacinha...
- E depois? – Indaguei enquanto me levantava e deixava o dinheiro de toda a conta.
- Não sei bem...Hoje escolhi ser um otário pra tentar não ver como as pessoas são imbecis.
- Mas que coincidência...- Ri e fui em direção à rua vendo as pessoas de maneira trôpega, com alguns olhares me julgando.
Um comentário:
apesar da merda do cansaço... num conseguia deixar de ler... muito legal!!!!
Rafael Andrade
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