sexta-feira, dezembro 07, 2007

9 Milímetros.







Uma gota de água vinda dos céus deformou a terra já fofa pela umidade. A cidade estava um caos devido à chuva, o tráfego arruinado pelas ondas de alagamentos em toda a cidade. E seria pior se o escritor não estivesse tão pouco inspirado. As mãos apertavam com dificuldade causada pela ansiedade; sua nove milímetros. Estava mesmo decidido. Ele olhava aquela garrafa de vodka pela metade onde bebia a coragem, sorvendo em largos goles toda a credulidade de seu sucesso. Descansou sua nove ao lado da garrafa e levantou do sofá de seu moquifo, deixando vagar sua decisão por todas conjunturas possíveis. Entre a reles derrota de uma possível prisão, como a antecipação do todo inevitável; a morte. Sua testa suava, enquanto o cenho se manifestava pensante arrastando para a realidade suas imaginárias preocupações. Levou as mãos até a cabeça e, como na intenção de arrancar o couro cabeludo, em nítida aflição esfrega as mãos em sua careca. Seria engraçado se disséssemos que este homem queria se descabelar, acontece que este ser pensava melhor com estes movimentos bruscos, alimentava sua alma resoluta. Apesar de sua decisão já estar tomada, pensava em uma pequena contradição tentando ele mesmo se desestimular, sendo totalmente inútil tais reflexões. O que ponderava em toda sua aflição, era o reflexo de seus atos em seu ambiente familiar, na desgraça de sua esposa e na degradação de seus filhos, e mesmo diante desta atrocidade toda, sua determinação não esmoreceu, essas ponderações apenas o preparava para realizar o feito. Andava de um lado a outro, suas pernas vigorosas acentuavam o passo, dando mais firmeza em sua personalidade. Parou em frente ao espelho do banheiro e ficou observando seu rosto diante de si, vislumbrava minuciosamente toda sua face, as maçãs protuberantes deixavam sua fisionomia a de um homem rústico, ainda mais acompanhado de um queixo quadrado bem acentuado, as olheiras não enganavam a idade, tão pouco o estresse de uma vida desregrada. Cada ruga apontava uma lembrança distinta de alegria, e talvez a mesma ruga alegre se esconde um pouco de sua tristeza, explicando assim o seu aspecto lúgubre. Mesmo assim não se reconheceu naquela figura. Visto agora refletido no espelho o seu passado, contudo não apenas seu, a de pessoas que dependiam dele também existente naquele reflexo, lembrava da paz perdida e de deliberações equivocadas, “ai Maria, minha Preta – Exclamou em voz alta em um tom de lástima profunda. Voltando a refletir – Como chegamos a isso, que rumo erramos lá no nosso passado que culminou nesta merda toda. Parece que deletei minhas probabilidades de melhoria, só vejo saídas extremas e drásticas. O que será deles se falhar? – Imagens de Pessoas amadas percorreram sua mente neste exato momento. Seus filhos principalmente. - Estes porras dependem de mim...E pior...O que será se não fizer o que tem de ser feito. Claro que já tomei minha decisão, e mesmo sabendo ser esta a errada, não consigo me recriminar, parece que a força que me impulsiona não é nem a necessidade do dinheiro, ou a falta de outro meio de subsistência. Parece que o verdadeiro motor desta minha realização é fazer as pazes com a minha própria consciência, com a minha própria coragem – A única coisa que pronunciou alto para ele mesmo escutar, fora a palavra coragem – E sem isso não somos humanos, somos gados pro abate. Vinha refletindo nestas dores quando decidi molhar ainda mais a minha garganta, afinal havia meia garrafa pra matar. Voltei para a sala e peguei meu copo enchendo quase transbordar, tragando de uma vez só. Apesar de sempre gostar de beber em situações de estresse, e também minha garganta ser uma das guerreiras do álcool, pigarreei dilatando as pupilas junto com uma lágrima inesperada. Não esperei nada disso passar, preparei outro copo e virei num segundo. Veio uma tosse de cachorro unido a uma pressão nebulosa em meus sentidos, não podia continuar com isso, pois precisava do resto de minha sobriedade para sair bem sucedido. Peguei minha arma e coloquei parte de trás da minha calça, alojando-a nas costas. Não sei porque, mais uma vez lembrei da Maria, minha preta. Fui para o banheiro novamente”. Abriu a torneira e molhou um pouco o rosto com a palma aberta, ficando com as mãos encobrindo o rosto e imóvel nesta posição. Desatou a chorar convulsivamente, os soluços eram altos como de uma criança desamparada; perdida no parque de seus pais. Era o fim de todo e tudo que é sonho. As respostas que colhera durante a vida tornaram-se perguntas em um único relance, fortalecendo seu desespero inundado nas lágrimas. Controlou-se inesperadamente, estava pronto agora que o medo fora substituído pelo ódio. Começou a olhar o mundo em uma puta injustiça e, diante todas aquelas respostas que se tornaram perguntas, reiniciou a formular novos alicerces para seus atos, entretanto o conjunto formado seria justificado apenas pela raiva impulsionado por seu individualismo crescente. Secou o rosto em uma toalha suja pendente ao lado do Box e a jogou no chão, perscrutou mais alguns segundos seu rosto, logo em seguida retornava a sala com fúria no olhar e sem mais ponderações. Ao tomar seu ultimo copo exclamou com vivacidade em alto e bom tom, “então lute Denadai, se transforme, se inconforme porra, seja você mesmo, foda-se tudo e o mundo, insubordine-se, mate e morra, seja o caos”. Sua lágrima lavara sua alma e as incertezas, a raiva o dominava agora, suas mãos tremiam novamente, contudo por diferentes motivos. Descontrolado pelas inúmeras idéias desprezíveis que lhe atormentavam a mente chutou uma cadeira, esta esbarrando na mesinha que sustentava seu copo e o resto de vodka na garrafa e, ao mesmo tempo em que quebrava a garrafa, virando para o lado, Denadai segura violentamente sua televisão arrancando da estante que a segura arremessando de contra o chão. Realmente ele se tornara o caos, imprevisível e destruidor ao seu redor. Poderíamos dizer dentre todas suas paixões, assistir televisão nunca fora uma delas, tinha raiva da mídia, a achava vendida como a maioria das pessoas e coisas de sua contemporaneidade. Agarrou na estante e a fez tombar também, alastrando pela sala todos os enfeites que ali estava; umas baianas de porcelana que comprara a sua esposa quando fora visitar seu irmão, alguns ornamentos minúsculos trazidos de diversos cantos do país, o home theater acabou quebrando com o impacto. Ao dissipar sua raiva em seus pertences, voltou um pouco a si, olhando ao redor toda a merda que causara. Chutou ainda risonho uma das caixas de som pendentes que teimava em continuar de pé. Seus sentimentos começaram se mostrar confuso, já que o ódio dominava todas suas inquietações refletidas em suas obras, junto a esta medonha emoção estava contíguo o medo. Não um medo de alguém ou um fato qualquer, entretanto de si mesmo, de não poder se dominar, ou tão pouco, conjeturar do que poderia ser capaz. Com a respiração ofegante foi até o quarto, tirou a camisa um pouco molhada de suor, enxugou o corpo com a mesma e vestiu outra, de cor branca; não muito chamativa. Quando estava saindo do quarto lembrou da chuva, pegou um casaco de malha grossa e ao fazê-lo observa em cima da escrivaninha uma pasta com inúmeros recortes de jornais. Todas as matérias jornalísticas ali contidas, eram de uma única personalidade. Denadai se pôs a folhear. “Filha da puta, ordinário, tudo aquilo que você fez, ou simplesmente deixou de fazer, vai ter retorno agora. Estou vendo bem esta sua cara de cu sem dono, este sorriso mesquinho delatando falsidades de merda – Seus olhos cintilavam em flamejo de indignação, corroborando ao mesmo tempo em que percorria cada folha, cada figura, em cada foto daquele personagem. Não abstraia nem um segundo sequer daquelas idéias que agora era seu objetivo de vida – não sei ao certo o que fazer, vou chegar na portaria do prédio e render o porteiro. Mas pode ser estranho se por um acidente alguém ligar para a portaria e não atender ninguém. Talvez seja melhor eu esperar ele sair de carro e rendê-lo na garagem. Se bem que se ele chegar com outro morador pode dar uma merda fodida. Oras que se foda, o que tiver de ser será, mas quero deixar minha consciência limpa. Comecei a ler as manchetes de todas as folhas contidas na pasta, apenas o título obviamente. Minhas mãos coçavam pela ansiedade”, enquanto toda sua estrutura emocional se concentrava nos pilares de sua decisão. O peito cheio de esperança, convicto de que realmente era capaz de qualquer coisa, mesmo que absurda e, nada nem ninguém, poderia detê-lo. Ao lado da pasta descansava em uma porta retratos a foto de sua família. Todos nesta fotografia estavam felizes, aquele sorriso infalível, onde nada o derrubaria, a não ser a imagem premeditada e cruel das imagens que este homem estava determinada a fazer. Decidira levar a foto no bolso de seu jeans, neste mesmo instante, pensou em voz alta, “Claro, eu devo ter mesmo algo de genial, nem que seja minha estupidez”.