sexta-feira, junho 27, 2008

Sem Moedas.






Faltava pouco para a hora exata do Ônibus que me levaria de volta ao Rio de Janeiro. Coloquei no chão minha mala e fiquei olhando o movimento urbano insano. Havia certo odor de queimado no ar, como se ali perto alguém queimasse um pouco de lixo. Não chegava a feder, mas era um odor forte, dava pra fazer uma careta. A rodoviária estava lotada de transeuntes, muitos com a casa nas mãos; caixas, caixotes, embrulhos, malas e mais pacotes, eram coisas que não acabavam mais. Simplesmente meu dinheiro acabara. Não sobrara nada pra contar porra nenhuma. Bem provável que o mesmo acontecera com aquelas pessoas. Fodidas sem ter pra onde ir, jogados pela sorte de suas fantasias. Num súbito instante, o odor de queimado é tragado por um inesperado perfume de chuva. Não demorou muito pra água começar a alagar os céus, era uma torrente assustadora; de certo meu ônibus iria atrasar. A água inundava o asfalto, afogando minhas expectativas de sair dali tão cedo.
- Oi Moço, com licença... - Não percebi este cara se aproximando. Seus olhos eram tristonhos, cheios de mágoas e transtornos, assim como a chuva, transbordava a aflição na forma de uma tempestade, fortalecida num vento seco e frio pela pena de si mesmo.
- Claro. Algum problema? - Sua fisionomia era o sofrimento embutido num rosto mulato.
-... É que eu venho de muito longe... - Seus braços eram magros, com algumas feridas. Vestia uma camisa folgada de abotoar junto à calça jeans maltratada, assim como a própria presença deste infeliz. Pelo menos era a única coisa que ele passava; infelicidade. -... Meu pai acabou de morrer, teve um infarto fulminante. Tava no banho. Eu tenho dois filhos pra cuidar e minha mulher ta com o meu veio na geladeira, só me esperando pra enterrar o coitado... - Seus olhos esbugalhados, não sei como, ficavam cada vez mais arregalados conforme falava. -... Meus meninos também estão me esperando e eu tenho que voltar pra casa. O senhor não tem como me ajudar a pagar a passagem? - Claro que a história me comoveu, ainda mais contado por um pobre fodido como aquele. Infelizmente, em todos os sentidos, me veio à lembrança de outra história bastante parecida. Eu estava na rodoviária no Rio pra uma viagem e me surge um carinha contando uma historia bem parecida com esta, querendo dinheiro pra passagem. Eu dei o dinheiro pro cara, e segui meu destino. Quando eu volto depois de duas semanas, o mesmo carinha me pediu dinheiro contando a mesma historia. Eu apenas ri e disse; cara, você já me contou esta merda, não lembra? Ele me reconheceu e olhou assustado. Seguiu seu rumo olhando de soslaio, meio tropeçando em seu medo alimentado pela imaginação. Voltei ao presente com aquele pobre infeliz me encarando, esperando sua resposta. - Cara, eu não tenho um puto sequer... - E não tinha realmente, todavia isso não pareceu verdade, ou pelo menos o rapaz não acreditou em minhas sinceras palavras. Seus olhos que estavam pidonhos, cheios de lágrimas de esperança, tornaram-se frios e secos. Fechou a cara e não disse mais nada, começou a andar sem olhar pra trás, como se eu nunca estivesse estado ali, ou existido de fato. Acharia tudo muito triste se não fosse cômico. Logo estava pedindo dinheiro a outro transeunte. Senti uma leve fisgada no estômago, ao ver uma menina passar com um sanduíche, estava deliciosamente suculento. A cada mordida o recheio transbordava, escorrendo pelos dedos e a boca mastigava lentamente, deixando um pouco do molho peregrinar pelo queixo. A mãe segurava a mão da filha sem se importar com a meleca toda, tive vontade de arrancar o sanduíche da mão da criança e sair correndo, contudo me contive em minhas amarras sociais, não cheguei neste ponto ainda. Cada individuo fazia de si parecer um universo em particular; dois caras passaram por mim sem camisa ostentando umas tatuagens com mulheres abrindo suas bocetas no rosto de quem olha pra tatoo; Uma ninfeta passa por mim rebolando seu lindo rabo, devia ter seus dezesseis anos. Ela segue conversando com uma amiga rumo ao ônibus; um motorista deixa o carro na rua e sai correndo devido a chuva avassaladora, chegando ao lugar coberto, já esta todo ensopado resmungando alto. O motor ronca alto, então vejo meu ônibus encostando-se à plataforma indicada. Pego minha mala e fico aguardando a hora para adentrar e sentar em meu assento. O motorista fica do lado da porta dianteira, olhando-me de soslaio com um olhar obtuso. Este homem possuía uma face estranha, parecia um abutre cheira cu, um ar de nojo lhe preenchia o ser que me apresentava. Entrego minha passagem em mãos deste Abutre em repulsa e, sem deixar de prestar atenção aquela peculiar caveira, dou o primeiro passo na escada que sobe o ônibus. Abruptamente minha mala é arrancada com violência dos meus braços, uma mão segura na gola da minha camisa social e me joga ao chão de forma estúpida, e sem entender fico por terra. Senti-me fraco e humilhado. A voz gritava furibunda.
- Onde pensa que vai? - Era uma voz personificada grave.
- Como assim? Eu acabei de dar pro Senhor a passagem. - Retruquei injuriado. Foi então que percebi dois policiais me erguendo do chão com brutalidade por ambos os braços. Um já estava revirando minha mala buscando algo de ilícito, jogando tudo a esmo, enquanto o outro colocava o dedo fedorento na minha cara.
- Nós estamos de olho em você há muito tempo rapazinho, esgueirando-se pelas vielas da multidão, sempre fugindo das verdades e da razão de ser...
- Mas do que porra você está falando?
- Olha a boca meu rapaz - Outro policial me encosta ao ônibus com o dedo em riste.
- Você sabe do que estou falando, seu vermezinho do imundo, sempre se aproveitando das fraquezas do sistema para fortalecer suas atitudes vis. - Minha mala já estava vazia com as roupas jogadas por todo o lado. De repente, mais que de repente, o policial se levanta afoito e esbaforido, sorrindo aliviado por encontrar algo.
- Veja Sargento, achei alguma coisa. - Era um baseado que havia guardado pra mais tarde, sabe como são as coisas. O fino já estava confeccionado e dentro de um pequeno saquinho plástico, destes que vem no maço de cigarros.
- Mas o que diabos... - Logo um safanão me corta o ouvido. Fico ouvindo estrelas e sinto arder a face. Coloco a mão em cima de minha pele avermelhada. A raiva também já me fere os sentidos.
- Seu filho de uma puta, escondendo o jogo desde o princípio, seu traficante de merda! - O ódio germina nos olhos do sargento, enquanto a multidão se formava ao nosso redor. Estava montado o teatro, e me senti o protagonista.
- Senhor, isso é só um fininho pra consumo próprio, não pretendo vender...
- Você é pior que o traficante, você alimenta esta merda toda, a desgraça que consome o país é sua culpa! - Algumas pessoas se mostraram satisfeitas pela atitude do sargento, outras, porém, viram-se ofendidas em seu íntimo, um excesso sem necessidade.
- Eu não sou pior, nem melhor que ninguém, cada um consome... - Outro tapa me zuniu aos ouvidos. Sinto o rosto queimando e inchar.
- Vocês são a desgraça, sem sentido e sem valor, não prestam nem pra trabalho comunitário... - Nisso recebo um soco na boca do estômago. Caio com a mão na barriga e me encolho entre as pernas.
- É só um digestivo, porra! - Grito impulsionado pela exaltação.
- E ainda quer falar alguma coisa? - Sinto um chute no meu joelho e caio de lado ao chão. O outro policial se afasta juntando minhas roupas e colocando na mala. Estas pequenas ações tiram a atenção do sargento, fazendo-o olhar para o outro lado. Eu o agarro pelos pés, derrubando-o sem jeito por conta de sua enorme pança. O sargento ainda tenta agarrar meus braços, mas eu me desvencilho e consigo alcançar sua arma em seu coldre. Levanto rapidamente com a arma em punho, destravo-a e aponto para o policial que corria em nossa direção. O tumulto se torna um grande alvoroço. As pessoas que observavam quietas e sem reação, correram desesperadas buscando proteção.
- Para aí seu filho da puta! – Grito feroz – Sabe o que falta nesta porra? Diálogo seus merdas! Diálogo! É isso e acabou? Seu gordo escroto, você não gosta da cachacinha, não faz sua sujeira cobrando cervejinha? Eu gosto de um doisinho. E você também é um puta hipócrita, vive chafurdando na merda que nem um porco e quer ser juiz de alguém? – Nisso bico a cara do sargento. Ele chora. Nisso, bico de novo. Ele cospe um dente e fica gemendo. Neste meio tempo ele faz uma careta, como reprimindo algo que alguém faria atrás de mim. Decido então atirar na cara do Gordo escroto. O sangue dele explode por todo o canto. Meu ombro explode junto com a cabeça do gordo. Vejo o sangue jorrar no ar, meu corpo sente a perda do movimento de um dos braços, mas ainda tenho o outro. Num movimento lancinante, viro atirando em quem quer que seja. Meus sentidos aguçam neste momento, como num passe de bruxaria. Consigo dar dois tiros, acertando um na testa de outro soldado que se aproximava, e nas costas de um transeunte desesperado. O soldado mais próximo a mim, se enrola na hora de sacar a arma, dando tempo para eu virar. O soldado dispara e acerta meu estômago, no mesmo tempo em que acerto um tiro em seu peito. Desabo ao chão semi consciente. Os ferimentos ardem incontrolavelmente, rasgando a pele junto à carne. O sangue domina o perfume da chuva e o rubro a cor ao redor. Os gritos fazem uma sinfonia assustadora. Tudo por causa de um maldito baseado. As idéias se esvaem e o rosto cai pro lado. A chuva caindo violentamente lavando a alma que se põe junto ao sol. A paisagem se tornara o palco do terror, de certo veria meu nome nos noticiários, na verdade eu não veria, mas outros saberiam quem fui. O som da chuva aturdiu meus sentidos e os sonos dominam o vago, até o vazio dominar a fantasia.

domingo, junho 01, 2008

III - Imagem Sem Reflexo.









“Eu não sei mais onde me encontro. Todos meus alicerceis construídos, tão envoltos em névoas e fantasias, ruíram fulminante num lago de voragens incríveis. As quimeras habitavam vivamente as chuvas de um mundo real, desumano e sem sentido algum para o racional. Alguns diriam ser o diabo encarnado no osso e carne. Mas faltaria a alma louca e pesada, que tudo esmaga com a força da mão divina. Ergui estrepitando o pé no chão. O mundo girava e eu sabia bem disso, nada parava ao redor. Senti arquejar as forças que me mantinham em pé. O pulmão cuspia bolhas de sangue nas costelas. A multidão me constrangia cada vez mais, acusando-me em seus olhos de perturbado. Senti o gosto salgado em minha boca, tal qual um pingo de chuva adocicado pelo rubro. Um braço tentou agarrar minhas pernas. Recuei assustado num urro de dor. Parei e vislumbrei toda minha queda num suspiro. O abater dos sentidos não veio rápido. Ainda pude ver retinas famintas da multidão. Eu tremi em convulsões, arregalando os olhos numa súplica de razão. Não houve uma atitude sequer de iluminação, apenas urros e convulsões de minha parte. As quimeras agora tomavam formas diversas; colunas implacáveis de um exército invisível do passado agora atacavam minha memória. Nada pude fazer senão lacrimejar a insanidade; busquei a razão num soluço seco em vão. A escada de incêndio estava cheia de curiosos e de altruístas charlatões. Uma saudade invade meu coração confuso. A falta de um lugar onde estive muito pouco ardeu profundamente uma chama opaca em meus sentidos. Eu estive tão pouco tempo neste lugar, que poderia não ser verdade, contudo a saudade era latente e real. Podia ser o amor de minha vida esquecido, ou apenas um déjà vu. Gemi sorrindo pela dor aguda em meus ferimentos; lacrimejei pela alegria de um instante de saudade; tremi em convulsão frenética num desespero agonizante, cambaleando no espetáculo funesto da vida”.
O resto de energia que sobrara em seu cadáver, fora usado por estes últimos movimentos ébrios. As trevas dominaram seus sentidos num último suspiro de naufrágio. Os sonhos agora se faziam reais, entretanto não era o passado que lhe afligia as nesgas entre a realidade e a fantasia. Parecia ser um futuro incerto e cheio de novidades. A mão de uma mulher lhe acariciava a face num movimento tenro, enquanto os lábios doces, desta mesma mulher, lhe confortavam o desejo. Não havia tremor em seus sentidos, apenas o aconchego de uma certeza inexorável. Contemplou um pouco a visão por completo; a mulher e suas formas magníficas. Parou por um momento e levantou-se onde quer que esteja, deixando transparecer um leve sorriso inquieto. Começou a andar pelo recinto; não havia névoas cobrindo as nódoas da razão, tudo parecia tão real, tal qual o toque da dor; estava caminhando na sala, observando os móveis coloniais que adornavam a tudo com bastante graça; a cortina voava com desenvoltura junto as baforadas do vento, contornando a visão hipnoticamente em suas ondulações; a calma reinava soberana no ambiente; o piso suave e gelado refrescava o corpo do calor ameno, que cobria a brisa dos poros úmidos de suor. A porta se abriu sozinha num piscar de razão. Caminhou lentamente até a saída, a saudade se fez existir numa lágrima doce, no tempo em que as mãos limpavam o rosto. O horizonte estava magnífico, um verde que não tinha fim, junto a terra rubra que ornamentava o senso divino para os mais incrédulos. Um cachorro veio ao seu socorro e lhe acariciou a mão com o focinho. Ambos sentiram a ternura do toque. Uma mão segura a sua em um firme aperto de paixão. Desconcertado pelos sentimentos repentinos, Guilherme se vira assustado com o olhar firme e pronto as surpresas repentinas. O campo abria um convite com tal beleza, fazendo-o engolir em seco sua admiração. Sua boca colou em um beijo violento a uma mulher que nunca vira, mas que sabia reconhece-la do seu inconsciente. Guilherme desce as escadas para terra rubra e novamente se reencontra onde estivera tão pouco, todavia numa paz intensa como a dor da queimadura, que seria difícil esquecer e não sentir tamanha saudade. Tudo é vislumbrado como na primeira vez. Não era apenas o bucólico dia que lhe enchia de tanta serenidade, era o novo que lhe foi tão velho outrora, que agora se tornava ainda mais vivo.
“O toque da mão suave fez meu coração pulsar em todo seu vigor. Não contive um sorriso ao canto da boca que engoliu a lágrima, contudo sentia-me feliz. O sol me cegou aos poucos, a luz é insuportável a certas pessoas, fogem de sua lucidez para evitar respostas de seus fracassos, ou de erros inescusáveis. A dor se esvaía aos poucos. Procurei algo nos bolsos que pudesse explicar esta insana encenação de uma vida campestre sem sentido. Sempre fui um homem da cidade grande e do caos urbano, acontece que me sentia vivo, e a paz se fez tão real de imediato, fazendo-me perder o tempo dos acontecimentos”.
Correu até o horizonte que se expandia por toda miragem, ou imagem.
“Não sabia o que fazer com esta alegria que mal cabia em mim mesmo. Corri sem direção ao ponto de me perder. Estava longe da casa agora, não a via mais. Parecia estar perdido no meio de uma plantação de milhos. Apenas parecia, pois não poderia dizer que diabos era aquilo. Arranhava os braços e pernas no meio dos galhos retorcidos, saiam do chão como se fosse me arrancar a alma. Uma maldição ancorou em meu coração, sentia meu corpo pesar,e o sangue escorrer, fervendo por minhas entranhas. Fechei os olhos ao ser engolido por um corte no chão”.
Abruptamente o homem preso em galhos e terras, que o mastigavam com sua areia, urrou disforme e se desvencilhava da culpa pelos caminhos errados que decidira tomar. A vida que escolhera, na verdade não foram escolhas, foram decisões precipitadas e sem fundamentos; o desperdício de tempo em que gastara com importâncias ínfimas; fazer parte de um grupo que não o aceitara como seus sonhos o conduzia; agora o preço fora cobrado e tudo explodira em sua direção. As raízes o puxavam para o fundo, onde certamente, poderia rever o que acontecera até ali. Num milésimo de segundo tudo mudara. A cidade grande se tornara o cenário da perdição em seus sentidos. O grito ainda saía de sua garganta. Aflito e sem direção parou por algumas horas, prostrou estático, tal qual uma estatua, ou aqueles mímicos de rua que conseguem não se mover durante horas. Os motores lhe faziam espremer os miolos em fragmentos tão pequenos, que seria impossível conta-los. Olhou suas mãos de cima, examinando a palma e os pulsos. Guilherme estava encardido do pé a cabeça; seu cabelo parecia palha de aço, duro e imundo em cada fio; as roupas estavam rasgadas e irreconhecíveis, não saberia se dizer, o que era camisa ou calça; a poeira parecia soltar e sair de seu corpo a cada passo; a própria mão carregava uma crosta de imundice; a barba crescera não deixando ver nada além dos olhos; Não havia mais sapatos, apenas chinelos desbotados pelo uso e idade. A rua estava cheia e todos os notavam como um monstro a ser morto. Muitos passavam encarando com desprezo e repugnância, com medo do olhar paranóico e assustado de Guilherme. Não havia um olhar sequer que o julgasse, não havia uma só pessoa que não o reparasse. Sua carne fedia a verdade, do que somos feitos e produzidos. As pessoas continuavam vindo e indo com imensa rapidez, não notavam a semelhança em Guilherme; ele não podia ser humano. Não esta coisa ali em pé, carcomida pela sua própria desgraça. Continuavam notando este homem sujo que nem olham uma peça de teatro, esperando algo acontecer, algo que os espantassem, ou que ferissem seus sentidos. Estavam chocados com tal imagem. Uma quimera vinda dos infernos da realidade.
“Nada mais importava. Ainda via as raízes puxando minha carne, quando no segundo seguinte estava em pé olhando meu reflexo na vitrine de algum lugar na cidade. Não reconheci a pessoa pesada na minha frente, catatônica e aturdida pelo julgamento alheio. As máscaras passavam notando o óbvio e, após notarem minha presença, caíam pela fragrância do insuportável. Continuei parado vislumbrando a minha própria imagem refletida no vidro. O rosto me era familiar, mas o olhar estava perdido e sem direção aparente. A ambição que sempre carreguei em meu sorriso, sumira em faces tristes; em máscaras. Senti falta do sobrenatural e da insuportável fé. Cada pessoa que passava por mim, esfaqueava minha presença em olhares altivos. Estranhamente não sentia nada, parecia ser dono de mim ao menos, sem nada a perder ou ganhar, é fácil se tornar dono de seu destino; basta correr. Estava confuso. Aturdido pelo volume de sons que me cercavam. Entretanto continuei ruminando idéias e conjecturas; o dia é cada vez mais curto, e as possibilidades crescem conforme o tempo que nos abandona; as mãos se tornam amarradas quando o coração está inquieto; um moleque caminhava com seu fone de ouvido, indiferente a tudo sua volta, compenetrado em algo; uma senhora carregava uma sacola cheia de embrulhos, suas pernas arquejavam por causa do peso. A pele estava enrugada e danificada pela maquiagem excessiva. Usava óculos de caçapa e o cabelo caia pelos ombros maltratados. A saia puída ia até a canela, onde uma meia preta furada descansava. Uma leve corcunda a contraia; uma mulher em seus trinta anos andava impaciente e agitada. Era realmente bonita e realmente cega. Seu olhar era o mesmo do menino e seu fone. Compenetrada em algo, responsável e cheia de deveres; Mais uma mulher, em seus cinqüenta anos. Trajava uma mini-saia, um jeito bem menina de andar. Uma junção extremamente interessante; alguns garotos cruzam carregando uma bola. Estavam bastante agitados, tanta energia que seus poros não continham; Dois policiais trafegam conversando descontraídos. Esfrego a mão nos olhos com força, queria entender um pouco mais deste mundo. Vejo-me na Rio Branco, Centro da cidade. Um verdadeiro alvoroço me engole, tal qual o rasgo no chão, unido as raízes. Fiquei ainda mais desconcertado. Minha cabeça girava em voltas gigantescas, sentia náuseas e pensei estar morto por um segundo. Não seria assim tão fácil. Pessoas se atropelavam por todas as ruas, andavam num ritmo surreal, compenetrados, repetindo um mantra maldito. Todos me olhavam, julgavam e me esqueciam no passo seguinte; Prostrado. Aturdido. Assombrado. As duvidas mais inquietantes não me deixavam mexer um músculo sequer. Olhava o vazio que se tornara minha imagem. O passado morrera, não sabia onde encontra-lo. Minha memória secara sob o sol escaldante do desesperado cotidiano. Fazia uma força e espremia tudo com vigor em meu confuso cérebro”.
Subitamente, numa inesperada fração de segundos, era como se Guilherme ficara invisível. Sua imagem tosca e fétida era evitada sem olhares. Aqueles que passavam por ele mal o notavam, seguiam o rumo apressados e indiferentes. Tamanha insensibilidade trouxe à tona certo desespero aos olhos de Guilherme. Sentiu-se morto e sem sentido em sua vida. Sem passado, o que seria do futuro, ou pior, o que fazer do presente? Começar tudo de novo, talvez. Mas como se começar daqui? Guilherme teria que se redescobrir. Continuou imóvel por várias horas, estagnado nas mesmas idéias. Cansado resolveu andar e adentrou a multidão. Caminhava em passos lentos sem saber pra onde se dirigia, arrastava-se determinados momentos, deixando o corpo mole e cansado. Ao atravessar a rua, olhou para os carros e viu quimeras malditas em todas as direções, com grandes bocas soltando fumaças. Uma multidão atravessava a rua, dando uma breve impressão de que estes fugiam dos carros, ao invés de estarem caminhando. Guilherme detém os passos no meio da rua e começa a gritar em todas as direções.
“O que vocês pensam que estão fazendo? Para onde vão? Não vêem o que está acontecendo? Vamos usar a razão para o que se presta! Saiam de suas máscaras, invertam os sentidos daquilo que nos sufocam! Apedrejem os vidros daqueles que lhe oprimem o coração! Sejam sensatos ao menos uma vez na vida e a positividade se fará rei em sua esfera. Não se percam no materialismo, no consumo de nossas almas. Não existe a coletividade? Cadê vocês meus amigos, cadê? Libertem-se de suas amarras sociais, a vida esta se consumindo a todos os segundos, em todos os milésimos parcos que se vão! Neste momento já se foi um suspiro de vida! Saiam de suas casas! Saiam de suas máscaras! Nós somos um, porém muitos! Não se esqueçam de onde viemos! Não se esqueçam que voltaremos para lá! Enxerguem! Transpirem! Respirem! Sacudam! Vivam! Viva! Vivam! Viva”!
Muitos riram da cena, não entenderam porra nenhuma do que se gritava ali. Uns apressaram o passo para não ser contagiado por estranha doença. Algumas faces assustadas desistiram de atravessar a rua, detiveram-se onde estavam e só não mudaram a direção por curiosidade. Guilherme de repente viu os carros novamente, não eram mais quimeras do inferno, nem pesadelos de uma mente louca. Olhou a todos com semelhante curiosidade, daqueles que lhe observavam. Não sentiu medo, tão pouco receio. Sentiu uma incrível indiferença, a vergonha não escorria de seus poros, apenas um ódio transformado em calma. A razão parecia lhe abandonar, entretanto via-se lúcido, com escolhas e perspectivas. Faltava apenas a memória para poder reencontrar suas escolhas. Não queria ser nada mais do que ele mesmo, sem devaneios, sem demasiadas perguntas sem respostas. Tudo caberia de novo na palma de sua mão, como costumava ser no passado. Passou por inúmeras lojas e frivolidades de consumo. Nada despertou seu interesse real. Parava em frente as vitrines para o desespero dos comerciantes, parava com cara de chapado e observava tudo com dor, um certo olhar mortificado pelos desejos, queria sentir o fulgor ardente novamente, de uma vida apaixonada e plena de gozos, contudo não estes de consumo parco; camisas de marca; camisetas; calças; sapatos de grife; tênis absurdos; inutilidades de consumo; meias; bonés caríssimos; relógios; pulseiras; jóias; colares; brilhantes; um comercio crescente de quinquilharias sem fim. Queria desfrutar novamente a sabedoria; continuou sua caminhada quando a fome exorbitou em um grave ruído no estômago. Dirigiu-se até uma lanchonete lotada de gente. O servente não gostou nem um pouco de vê-lo ali. Chegou a tentar enxotá-lo com algumas palavras firmes. Guilherme apenas fechou a cara e pediu algum salgado, porém seu pedido não foi atendido. Resolveu pedir para algumas pessoas comendo no recinto, o que aumentou ainda mais a sua fome. Não havia percebido antes o tanto que estava faminto, a barriga revirava-se do avesso em busca de alguma sobra estomacal. Sentia tudo se contrair num forte ronco. A boca salivava, enquanto o aroma delicioso lhe aquecia a imaginação de um bom prato de comida. Distanciou-se do ambiente e sentou perto de um poste, com os braços enroscados nas pernas. Abaixou a cabeça e se concentrou para esquecer um pouco a fome. Cada vez mais o apetite se alimentava de sua consciência, deixando transparecer em seus olhos perdidos seus próximos atos de desespero. Estava calçando sapatos, reafirmou-os nos pés, ajeitou o paletó imundo no corpo e o abotoou. Levantou, ajeitou as calças e afivelou um pouco mais o cinto. Respirou fundo e se concentrou. Fechou os olhos e imaginou a certeza de que tudo iria terminar bem. Numa explosão muscular, aliada ao desespero, saiu correndo em direção à lanchonete, esbarrando em alguns transeuntes que comiam por lá. Saltou a bancada num pulo só. Todos ficaram aturdidos com a desordem, não dando tempo para reação. Guilherme agarrou alguns salgados e uma garrafa de mate. Um funcionário ainda tentou segura-lo, contudo desvencilhou-se num puxão com o braço que levou o pobre funcionário ao chão. A lanchonete era em plena rua, com um balcão apenas e as pessoas comiam em volta. Num outro pulo já estava na rua e correndo feito um maldito, pois sabia ser um condenado. O desespero reforçado pela adrenalina, compelido pela fome, é capaz de fazer os homens produzirem façanhas. Guilherme corria tal qual um lince tresloucado no Centro do Rio, as pernas lhe ardiam descompassadas na disritmia do percalço. Os olhos cerrados o fazia colidir com outras pessoas; uma senhora foi ao chão, esperneando violentamente, de certo quebrara o pulso. Guilherme apertou ainda mais a corrida, os poros lacrimejavam a dor de seus músculos. A respiração lhe oprimia as palavras, o pensamento era suprimido pela vontade de respirar e, na fuga desenfreada, esconder-se em qualquer canto da cidade. Outros transeuntes admiravam assustados, olhos cheios de assombro, acompanhando os passos largos e velozes daquela estranha figura; o próprio Executivo da Adversidade. A visão era turva, tal qual o raciocínio. Não havia outro meio se não fugir. Contudo não fugia apenas do perigo real aparente dos que o perseguia, mas sim de toda a confusão em sua cabeça. Fugia da loucura em busca de razão. Algo que explicasse toda a insanidade que lhe afetava aquele momento. Buscava em cada passo uma fração de memória. Lembrou vagamente de ter sido um homem respeitado; de uma casa repleta de gente; de fatos e acontecimentos aleatórios, como reuniões familiares, amigos pelos cantos da cidade e relações com prostitutas. O cansaço não o deixaria mais correr, o músculo reteso ardeu em todas as fibras. Impressionante a capacidade de sublimarmos os inconvenientes em determinadas necessidades. Já estava na Cinelândia, quando parou e vomitou ao pé de uma estátua. Guilherme se joga no chão, sentando ao lado do vômito e espera seus perseguidores. Olha atentamente para todos os lados, gira a cabeça em todas as direções convulsivamente. Os olhos esbugalhados lhe deformam a face. No ritmo de sua corrida, devora os salgados em apenas algumas mordidas mal mastigadas. Num gole acaba com a garrafa de mate. As pernas tremiam descompassadas causando a desordem no corpo, impossibilitando de dar continuidade a fuga. Continuou sentado e esperou o pior. Despertado por uma idéia descontrolado, decide passar seu próprio vômito nos braços e dorso. O fedor fica insuportável, todavia o estômago agüenta o fétido, evitando novas náuseas. De longe avista uns dois guardas municipais se aproximando. De certo seguiram seu rastro até ali. Ambos vinham em passos rápidos e largos, e sempre buscando a imagem.
“Meu diafragma alfinetava minha respiração ofegante. Os músculos das pernas tremiam involuntariamente; o perfume do meu próprio vômito no braço trouxe um desconforto, mas não chegou a causar ânsia. Segurei firme e esperei. Fiquei a espreita dos funcionários, ou sabe-se lá quem estava atrás de mim. Queria lembrar, mas estava perdido. Olhava minha vida como um todo, vendo apenas meus segundos anteriores. Alguma força comprimia meu cérebro, dando certa impressão, de que cedo ou tarde, explodiria. As ações que eu escolhi como forma de vida sumiram em seus significados. Estava livre; sou livre. Eu não podia caber em mim mesmo, tudo aquilo que eu poderia ter feito, tudo o que eu poderia fazer, ao mesmo tempo e agora. Não havia fim para tantas possibilidades; era apenas uma questão de oportunidade. Sentir a presença do momento certo e agir. Junto com as escolhas via esvair minha vida, em cada segundo de existência. A velocidade do tempo tragava tudo, devorava vorazmente a vitalidade. Junto a isso não podia mais viver oprimido, precisava liberar toda exaltação vital em minhas veias; a fúria de viver. Perscrutava cada milímetro do instante seguinte, cada adorno em meus pensamentos. Olhava o vazio e via tudo; o todo. Podia antever o momento de minha morte. Ela acenando de longe, contudo perto o suficiente para sussurrar em meus ouvidos que ela virá. Não tive medo; resignei-me. Não há nada o que possamos fazer quanto a isso. E o tempo passa e se arruína; deteriora-me e aceito. As vezes esqueço que estou vivo, fico suspenso parado no tempo; não há dor; não há alegria; constrangimento; eficácia; superação; felicidade; esperança; amor; retorno; expectativa; liberdade; vergonha; pudor; medo; idéias; equilíbrio; apenas um enorme vácuo onde o nada se propaga. Estagnado numa posição, olhando para um ponto fixo no horizonte, além de minhas idéias, ruminava os pontos de idas e vindas de minhas vertigens ante as probabilidades. Um homem, ao qual nunca vi mais gordo, senta-se ao meu lado. Mesmo com o vômito ao meu corpo, também aquele cheiro acre, forte e nauseabundo, não o fez recuar. Apenas sentou ao meu lado e puxou um fumo. Vestia-se bem, um terno bem elegante de uma grife famosa, com listras verticais bem definidas. Seus sapatos reluziam a serenidade de seus olhos. A barba bem feita lhe dava um aspecto de mafioso. Com toda a calma do mundo tirou um isqueiro do bolso e acendeu o cigarro. A fumaça lentamente impregnou o ambiente. O sonho se fez completo, em sua fantasia, as névoas do pesadelo haviam saído de seu abismo. Não senti vergonha, como deveria, em meu estado de sonolência, apenas uma leve paz. Ergui meus olhos em sua direção.
- Você provavelmente não irá se lembrar de mim. – Interpelou o sujeito, antes que eu dissesse realmente algo. Mantive o silêncio.
- Não se preocupe, aliás, não se importe nem um pouco. Não fará muita diferença isso agora. Mas as coisas não podem continuar assim. Isso foi a vida que você escolheu pra si? – A medida que falava, via certa similaridade em seu semblante. Em algum lugar eu havia visto aquele rosto, e não foi longe. – Olhe para você, procure algo que o satisfaça e faça. Não adianta ficar ai sentindo pena de si.
- Não estou sentindo pena de mim, estou vivendo do jeito que posso. – Disse gesticulando a mão no ar.
- Não vejo deste modo. – Proferiu em som macabro, após uma profunda baforada. A fumaça inundou o céu com nuvens poluídas.
- To me fodendo pro jeito que você vê, nem ao menos sei quem é... – Demonstrei um pouco de agressividade, não gosto destes merdas metendo o bedelho onde não são chamados.
- Você sabe muito bem quem sou. Apenas não quer ver a resposta. Esta estampada na sua cara. – As pupilas dele estavam redondas, pareciam duas bolas de boliche. Um tanto estranho estar ali, sentado com tal lunático. O que ele gostaria de encontrar aqui? – Eu estive em muitos lugares, já estive em diferentes pontos do mundo e situações. Vi coisas que a humanidade não gostaria de lembrar, entretanto fica em sua história torpe.
- Mas do que diabos você está falando? – O cheiro do vômito ainda perambulava o ambiente.
- Saia e veja o que pode mudar em você, para que tudo possa mudar.
- Quem disse que preciso mudar? Tenho tudo o que quero, apenas me fugiu uma pequena parte da história.
- E o que somos sem história? O que somos sem o passado que nos condena, ou as ações que nos glorificam? A vida foi inventada para ser feita, desfazer a vida é mais fácil, e fazemos isso todos os dias.
- Pare com este apo furado. Estou construindo todos os dias uma nova estrada, a persigo como se minha vida dependesse disto...
-... E que estrada você pegou agora? Chegou à encruzilhada, está à espera de alguém decidir por você. Está parado olhando as estradas mudarem, sem tomar direção. Está vislumbrado com as possibilidades aparentes e não consegue antever os próximos passos. A busca pela razão é a essência de todo ser que se vele, e saber por saber é apenas mais uma masturbação.
- Não vai falar agora que está tudo em minhas mãos... – Interpelei.
-... Não tem curiosidade de ver o depois de cada estrada?
- Provavelmente me levará ao fim, se eu ficar parado por ali, posso ver as pessoas passando.
- Não são as pessoas que estão passando, você é que está ficando. As oportunidades estão se esvaindo. – Fiquei um tempo olhando para seu rosto tentando reconhecer a fisionomia limpa e bem tratada daquele maluco. A pele macia e bem barbeada, reluzia o sol, sem sombras, sem deformidades. A serenidade ilusória me assustava um pouco.
- A questão é conseguir lidar com o que você tem em mãos. E eu tenho tudo comigo, tudo o que preciso. – Cocei um pouco a barba.
- Concordo de que tenha tudo que precisa, mas não está utilizando nem a metade do que pode. E os planos? – Dizendo isso, alinhou o terno na gola e empertigou-se como um pavão.
- Que planos? – Disse num tom sarcástico.
- Precisamos de confabulações?
- Mas do que é que você está falando?
- O melhor caminho a ser traçado, é disso que eu estou falando. O que você acha que está fazendo nas ruas? Brincando de pique esconde? – Estava mais exaltado, sua fisionomia ficou um pouco distorcida pela sobrancelha.
- Claro, estou me escondendo das coisas que não preciso.
- E você precisa disto? – Afirmou apontando para o meu estado precário. Certamente ele tinha sua razão de ser, entretanto também tinha a minha. Aconteceu um lacônico silêncio. Não sabia o que dizer. – Você nem sempre foi assim, se lembra? – Acontece que eu não lembrava. – O que aconteceu com a sua família? – tentei voltar o assunto, não gosto de me sentir pressionado, ainda mais com assuntos que não faço idéia.
- Eu me escondo sim de coisas que não preciso, existem muitas necessidades que pra minha pessoa não é prioridade, veja bem...
- Não mude de assunto, sabe muito bem ao que me refiro – Interrompeu de sobressalto.
-... As necessidades foram feitas e inventadas, pelo menos estas que estão aí... - desencadeei.
- Muitas foram, outras são da nossa natureza. Se a natureza do homem é ser socialmente aceito, se enquadrar não seria natural? A necessidade é enquadrar o homem a sociedade, através do consumo; do poder; do status; dos vícios; medo; marginalização; padronização; exclusão. Indiferença; ignorância; burrice; falsas ideologias; espetacularização; cosmopolita; liquidez; lixos culturais; tráficos; tráfegos; mesquinhez; monopólios; subjugados; massacre; políticos corruptos; políticas ineptas; desperdício; desamor; precariedade; abandono. O ser humano é peculiar em sua necessidade, junto com a sua natureza. Não cabe a um ser julgar a todos. Impossível afirmar que estas necessidades inventadas pelo nosso modelo atual, sejam as necessidades de um todo.
- estou perdido...
- Respeitar a individualidade do ser, não quer dizer abandonar o coletivo e deixar de dar auxílio às necessidades de subsistência.
- O que isso tem a ver comigo? – O labirinto se formou em minha frente. Não sabia aonde ir.
- Não fuja de si, lembre-se, pense. – Parecia tão fácil lembrar, infelizmente nada me vinha a mente, exceto quando ele acentuou uma palavra, que serviu de chave ao passado. – Gostou do seu almoço? – A palavra almoço soou leve aos meus ouvidos, algumas imagens foram tomando forma em minha visão. Parecia ver realmente o que estava acontecendo, como num filme”.
Dois guardas Municipais se aproximam, estavam afoitos e ofegantes. Sentiram um tremendo asco ao observar Guilherme todo cagado de vômito. O nojo era tanto que saíram de perto fingindo não achar o indivíduo em questão. Um dos guardas ainda vomitou ao se virar. Guilherme conversava com o ar, falando com os ventos e dialogando com o vazio. Alguns ainda olhavam de soslaio a cena, mas seguiam seu caminho sem se importarem muito. Guilherme se imaginava em outros tempos, em outras horas, num lugar distante dali. Talvez ele não estivesse mesmo ali, fosse tudo um espaço perdido no urbano maldito e as vozes submergidas sejam apenas umas reflexões.
Tal qual uma mudança de pensamento, Guilherme via-se sentado num restaurante lendo um cardápio. Estava vestindo um terno bem alinhado. Seu rosto estava barbeado e limpo. A imaginação alimentava sua fome de viver.