segunda-feira, janeiro 08, 2007

O Homem Que Sabia DeMais.


No texto existe a instrução para se ligar o som ao ler. Escolha duas músicas, eletrônicas de preferência, , mas não necessariamente, e quando aparecer no texto, “ligue a música”, é para tocar a música em seu som e continuar a leitura. Se a música acabar, e o texto não, ponha para tocar a segunda. O texto dirá quando desligar o som.


Meu ferimento, na maçã da face, ardia dentro do esparadrapo quando chegava na praia. O sol escaldante derretia meus sonhos mais gelados, e assim enfiava com vontade meus pés na areia. Perto da água não estava tão quente. Fiquei ali à pequena distância, observando a moda circular, junto aos estilos dominantes da prosperidade. A maioria assumia uma tatuagem em seu corpo, corpos malhados e talhados a ferro transitavam por perto, mulheres lindas tão quanto suculentas e homens atléticos em sua maioria faziam o ambiente florescer. Realmente o calor estava gostoso. A pele sorvia os raios solares com um enorme prazer, realmente parecia conter álcool em seus raios. Em contrapartida, os olhos suplicavam um esmorecimento de tanta luz. Tirei os óculos escuros de sua caixa, onde os guardava junto ao baseado da tarde, um lugar estratégico perfeito para qualquer dura. No que o coloquei um novo mundo se abriu, não precisava forçar tanto o cenho para enxergar tudo a minha volta. O frescor untado à maresia vindo do mar relaxava meu espírito, o odor da maré é um dos maiores fenômenos da natureza, isso me chamou a atenção e minhas idéias do momento; doce Iemanjá que me sussurra aos ouvidos. Tamanho cântico serenidade. Decidi dar uns passos à frente e sentir a água em meus pés. O que suspeitava; a temperatura estava perfeita, o mergulho seria a lavagem de todo o mal. Entretanto não havia tirado a bermuda ainda. Ao olhar para o lado tive uma excelente visão, a orla repleta de pessoas cultivando o futebol, até onde a vista se perdia ao meio os banhistas, podíamos ver as pequenas bolas levantadas, em ritmos diversos e incontáveis numa harmonia crepuscular. A Altinha invadiu pra ficar na praia. Comecei a andar ao meio daquilo tudo, onde aos berros passavam pessoas gritando todo o tipo de mercadoria, bem, quase todos:
- Olha o mate, quem vai no mate? E biscoito, ó o grobo!– Passava agitado um vendedor, de pernas e braços finos, a pele bem negra e os olhos profundos, marcados pela labuta, sem deixar, entretanto, o sorriso de lado.
- Mate ou limão? – Este carregava uns tonéis de lata, pendurados ao ombro, um contendo mate, outro limão. Coisa antiga. Alguns argentinos caminhavam por ali com seu toldo de amostras de miçangas artesanais; brincos em suas diversas cores, pulseiras adornadas por diferentes formas, além de vários outros produtos feitos por penas e matéria prima da mesma espécie. Logo a frente, um homem carregando uma cesta na cabeça, cheia de abacaxis, segurando uma faca em uma das mãos, grita inesperadamente no ouvido de uma das banhistas. Esta nervosa com o susto, dá um salto de repique e reclama mandando ele se foder em alguns outros palavrões. Pego meu Ipod no bolso da bermuda, coloco os fones de ouvido e ligo meu portal particular (ligue a música). Começo a ouvir uma música eletrônica bem gostosa, com uma batida em um swing de timbre empolgante. Parecia que havia começado a viver o clipe da minha vida. As pessoas se mexiam no mesmo matiz da música. Continuo olhando para os lados e contemplando a cena das bolas levantadas das altinhas na beira do mar. Estava hipnótico aquilo. Havia cinco pessoas jogando ao meu lado; lógico que reparei logo na Gostosa que dava mais ânimo ao grupo, tinha o desenho de uma fadinha perto da bunda, e além dela estava, um Cabeludo de bermuda verde, um Bombado de cordão de prata com uma tatuagem de Rottweiler no braço esquerdo, um Mulato de sunga branca e um outro Cara igualmente tatuado. Estavam no meio de uma seqüência de levantada da bola, o Cabeludo cabeceia a bola com o corpo meio tronxo, a bola estava baixa de mais pra ele, e este não teve reflexo suficiente para tentar matar no peito, ou até mesmo arriscar o ombro, contudo mesmo sem muito equilíbrio a bola foi redonda para a Gostosa, que meio sem jeito conseguiu alcançá-la com o joelho e rebatê-la para o Bombado, este amansa a criança com um leve toque com o pé esquerdo e levanta com o direito pro Mulato, só que ela vai meio sem graça, sendo que o Mulato tem que correr, mas consegue alcançar. Estica a perna esquerda com dificuldade, ameaçando cair, e a chuta para o alto no meio do circulo de pessoas que jogavam. Dois vão de encontro à bola; a Gostosa e o Cara igualmente tatuado. Este deixa a Gostosa rebater de joelho novamente para o Mulato, que exagera um pouco na força e chuta em cima de uma barraca na areia. A galera da barraca até reclama um pouco, mas entendem o ocorrido e nada fazem, entregam a bola pro Mulato que foi buscá-la e todos se cumprimentam sorrindo. Notei certos sorrisos um tanto quanto cínicos de algumas pessoas da barraca, alguns realmente ficaram nervosos, todavia não havia muito que se fazer. Cansei daquilo e decidi andar um pouco, estava no coqueirão e iria andar até o country, relaxar um pouco. Contemplava as pessoas em minha serenidade aparente; algumas conversavam gesticulando de maneira bem firme, com movimentos vivos, um cachorro corria enchendo alguns banhistas de areia e irritação, outros riam apenas de si mesmo, muitos transitavam entre as barracas de bebidas e suas barracas de sol. Um homem passa por mim correndo de suas gorduras, duas mulheres conversando ao ritmo do meu som, desfilam por mim com suas pernas esculturais. Não resisto e olho para trás quando elas passam, e os rabos eram mais gostosos ainda, puta que pariu, ainda enlouqueço. Segui o caminho e fui passando por outras altinhas ao longo do percurso, alguns lado a lado com jogadores de frescobol, estes rebatiam com violência e gemiam mudos, pelas batidas de minha música, como se jogassem tênis. Subitamente o doce perfume da erva me chamou a atenção, aquilo sim poderia dar o que precisava, para a minha mente, pro meu corpo e a minha alma. Algumas crianças perambulavam entre o raso da água e seus castelos de areia semi destruídos pelas ondas, arremessavam um nos outros suas pazinhas e baldes, e depois começaram uma terrível guerra de areia. Os pais vieram ao socorro de alguns banhistas que abriam espaço para os pestinhas. Um personagem de barba longa, cabelos maiores até a altura dos ombros, com o corpo repleto de tatuagem, só que sujas e mal feitas, um pouco peludo de mais, e a pele cheia de micose escura, se confundindo com as tattoos, vestindo uma cueca samba canção, passeava despreocupadamente pelos banhistas. O mais interessante é que poucos o notavam. Seu olhar era fixo em um ponto inexistente, só que o ponto para este homem era o infinito, não havia limites, sendo assim não se importava muito com os outros ao seu redor, pelo menos aparentemente, ou o que pensariam dele diante as merdas da vida. Cheguei em frente ao Caesar Park, o lugar onde gringos e turistas de todo o Brasil dividem um espaço bem diversificado. Todo este ambiente é preenchido por inúmeros guardas sol azul e umas espreguiçadeiras da mesma cor. Algumas putas disfarçadas de banhistas se infiltram no meio deste ambiente seduzindo os turistas sexuais. Claro que é difícil distingui-las, no entanto sabemos que elas estão lá. Uma mulata linda de olhos verdes, aparentando usar lentes de contato, sentada em uma espreguiçadeira forrada com sua canga de bandeira do Brasil, começa a me encarar, enquanto passo diante de meu clipe e sorri de maneira convidativa. Fiquei tentado pelo convite, parecia-me gostosa, coxas grossas e firmes, os seios com uma leve marquinha e uma cara de safada danada que era uma delícia. Fiquei um pouco encabulado, havia muitas pessoas em volta, e segui andando, subindo um pouco até a areia, atravessando por dentre umas barracas que ofereciam massagens. Ao lado desta barraca uma mulher negra, de pernas atrevidas e bunda grande, se exibia de maneira pornográfica a um grupo distinto de estrangeiros, uns cinco homens pálidos, ao mesmo tempo em que avermelhados pelo sol. A Mulher negra se mantinha de pé e pernas abertas na frente dos cinco homens, e regularmente abaixava o biquíni mostrando a boceta. Fiquei impressionado, não acreditei no que vi, assim no meio da praia. Mesmo assim não recriminei, apenas me surgiu uma curiosidade perante aquela boceta. Cada passo era uma nova descoberta dentro de minha própria cidade. Três meninas, supus serem adolescentes, dançavam funk de maneira bem erótica, rebolando até o chão e empinando bem os quadris. Certo momento uma das garotas, com as duas mãos tocando a areia e a bunda levantada, rebolava para quem quisesse olhar. Era um rabo bem gordo e com o biquíni bem encravado, dava para ver o início das pregas do cu. Parei perante uma barraca de turistas paulistas que decidiram ficar por perto do Cezar, era um casal e seus dois filhinhos de uns quatro e seis anos mais ou menos. Virei o pescoço e o dorso querendo uma visão ampla dos trezentos e sessenta graus ao meu redor. Muitas famílias, turistas nacionais e estrangeiros, além das putas dividiam o mesmo espaço com um grande comércio de serviços e produtos que circula pelo ambiente livremente. As meninas do funk continuavam com seu show erótico com os olhares alheios a contemplarem a dança, inclusive os meus. Talvez o erotismo e o pornográfico estivessem em meus sentidos e aquilo não fosse nada demais, ou até mesmo nos olhos de quem observa, pois ninguém dizia nada, ou comentava porra alguma, era como se isto fizesse parte de um cotidiano comum daquela atmosfera. Bem, pornográfico ou não eu gostava de ficar olhando. Um estreito sorriso me veio aos lábios no tempo de meus passos voltarem a fluir. Ao passar pelas meninas do funk uma delas me manda um beijinho, no qual retribuí com uma piscadela, o que a fez tremular os lábios. Achei aquilo tudo muito engraçado, estava realmente divertida a caminhada, é impressionante como podemos nos divertir sozinhos, apenas observando a loucura alheia e as inconformidades do mundo. Voltei para a orla onde as pessoas ainda cultivavam a altinha, impressionante como não tem fim esta porra. Dei uma conferida no esparadrapo em meu rosto para ver se estava tudo dentro dos conformes, se havia escorrido, soltado alguma gaze de proteção, mas tava na boa. Abruptamente uma bolinha de frescobol explode em meu ombro, me dando o maior susto, para cair logo depois aos meus pés. Uma mulher vestindo uma mini saia pede a bola caída, na qual a arremesso de volta. Infelizmente a bolinha passa pela mulher e tomba na água, mesmo assim ela agradece e vai atrás da bola. A companheira que jogava com ela também agradece feliz. Não entendi nada, mas fazer o que? Não há muito que se entender. À frente do meu caminho, atrás destas duas pseudo-atletas, estava um outro grupo de crianças brincando de montar castelos de areia, com um forte muro de areia. Acabei lembrando da época em que eu catava Tatuí e os guardava para um grande aquário imaginário, que nunca saiu da imaginação realmente:
- Põe mais areia ali Daniel. Paiê! Vai pegar mais areia seca. O muro tem que ficar mais forte, “meu pai é burro, não sabe fazer as coisas. Que saco isso. Há, mas deixa pra lá, tenho que conseguir deixar bem forte este forte. Vou botar mais areia aqui”.
- Felipe seu animal, você vai estragar tudo se colocar areia aí. Não está seco ainda e vai derrubar tudo se botar mais areia molhada – Se levanta inesperadamente - “vou lá pegar a pazinha”.
- O Daniel, aonde você vai?
- Vou pegar uma pazinha!
- Traz um balde também com areia seca. Ajuda meu pai a carregar! – O menino sai correndo e fala com um homem de meia idade que estava em uma roda de amigos, pega uma pazinha que estava a descansar na areia, volta e diz:
- Felipe! Ele disse que não vai trazer areia nenhuma e que já está de saco cheio. Vem buscar você. Eu não vou pegar nada, to com a mão doendo – E assim começa a bater nas paredes do forte de areia.
Aquelas lembranças que pairavam em minha mente poderiam ser a realidade daqueles meninos brincando, mas não podia ouvir nada do que eles diziam, eram apenas partes da minha realidade virtual, quase real, do clipe de minha vida. Aqueles pensamentos fizeram minhas conjecturas sobre o real e o virtual fluírem em um espelho de pedras e cascalhos, da nossa maldita realidade, ou virtualidade, ao longo de um caminho. Neste mesmo instante, nos passos leves que dava pela orla, deixando o mar acariciar meus pés com suas lambidas oscilantes, procurei no bolso de minha bermuda a caixinha de óculos com a maconha. Peguei-a, sentei na areia perto de uma barraca esverdeada com um pequeno grupo de jovens, e comecei a disbelotar com uma das mãos em forma de concha e olhando ao redor atentamente. É bem difícil de alguém rodar na praia, quase impossível, é como se em alguns pontos do Rio ninguém notasse, ou não quisessem notar, e ali era um deles. Continuei em minhas divagações acerca do virtual e o real, esfarelando minuciosamente a erva em minha concha, contemplando o horizonte do mar e meu semblante denunciava as expressões de meus pensamentos. Sentia-me distante da realidade que me cercava, parecia não fazer parte do caos que reinava, a torto e a direito, nas guerras particulares mundiais. Os sentimentos fanáticos, adornados pela intolerância e o ódio, cresciam ao meio uma guerra com tiros por todos os lados, e com mortos dilacerados cruelmente na mão da própria humanidade. Diante disso me perguntava se eu fazia parte disso, se isso era o mesmo mundo em que vivia. Parecia a virtualidade de um mundo doente ligado pela conexão real de uma rede. Talvez a virtualidade seja a única arma que temos para deflagrar este crescimento constante da realidade da guerra que consome os seres e os não seres. O que poderíamos fazer realmente? Nos armar até os dentes? Saddam Hussein havia sido enforcado de maneira desumana e cruel em nome de todas suas crueldades. Devemos instigar a morte contra a própria morte? A vingança combate à vingança, enquanto o ódio sangra em seu próprio ódio? Não demorou muito para a cena do enforcamento de Saddam cair na rede real do virtual. Muitos já viram seu pescoço tombado pro lado, sem vida, preso à corda. Será que realmente fazemos parte desta realidade? Talvez a virtualidade seja a única arma que temos para deflagrar este crescimento constante da realidade da guerra que consome os seres e os não seres. Esta afirmação veio de novo as minhas conjecturas e me pareceu errônea, pois apesar do acesso a informação e as visões barbarizadas gravadas em vídeos, é ínfimo o número de inconformismo, pelo menos da real interferência de uma união mundial. Outras cenas terríveis que vi na Internet me assombraram as lembranças e a razão. Lembrei de cenas de árabes degolando um refém, ainda vivo, e expondo sua cabeça para a câmera em forma de troféu. Dava pra se ouvir todo o terror do pobre homem, urrando aterrorizado, deixando o pânico latente em sua voz gutural, ao mesmo tempo em que terroristas lhe enfiavam a faca em sua goela. O sangue jorrava pelo chão do ladrilho, manchando qualquer imaginação, ou lembrança virtual, de um real banho de medo e rubro. Mas não é preciso viajar muito para vermos a guerra, basta dobrar uma esquina de nossa cidade. Os inúmeros atentados às delegacias de policia e postos policiais no Rio de Janeiro é uma nesga de guerra civil que se estende já por muito tempo, não...Uma mão me cutuca o ombro, justamente quando já ia passando a goma e selando o baseado para o seu destino na mente. Preparei-me para engolir toda aquela merda, à medida que meu coração já acelerava suas palpitações. É quase impossível alguém rodar na praia, entretanto convenhamos; tudo é possível. Com um certo receio escondo o baseado, de forma inútil e às pressas, com uma das mãos no bolso, entretanto não o larguei dentro da bermuda. Foi uma bela bandeira. Torço para trás o meu dorso na intenção de descobrir quem era, enquanto a mão no bolso finge procurar algo de maneira cínica. Levei um certo susto quando constatei a pessoa que me chamara, não esperava este tipo de aproximação; duas vidas, dois caminhos distintos e duas realidades antagônicas interligadas apenas pela paisagem, talvez pela obscuridade de pensamentos que todos levamos, os mistérios de nossas perguntas e questões. Um personagem de barba longa, cabelos maiores até a altura dos ombros, com o corpo repleto de tatuagem, só que sujas e mal feitas, um pouco peludo de mais, e a pele cheia de micose escura, se confundindo com as tattoos, vestindo uma cueca samba canção, que passeara, agora pouco, despreocupadamente pelos banhistas. O mais interessante é que poucos o notaram aquele momento, e neste instante, parece que só eu o via. Seu olhar fixo em um ponto inexistente, se dirigia a minha pessoa. só que o ponto para este homem era o infinito, não havia limites, de tal modo parecia enxergar através da minha alma. Sua boca mexia em balbucios incompreensíveis, a música abafava tudo ao meu redor. Tirei o fone dos ouvidos e ocorre um grande impacto de sentidos (desligue a música). Com o fim da música começo a escutar todas as conversas possíveis ao meu redor, todas as palavras do universo soam ao meu ouvido de modo violenta e incompreensível; balbucios, murmúrios, berros, urros, sussurros, cicios, burburinhos inaudíveis, uma algazarra de palavras e vocábulos em versos de expressão. Fiquei perdido em tantas idéias. Olho fixamente para o personagem barbudo de minha frente, e sinto meus olhos tomarem a mesma feição que os dele. Observo igualmente sua fisionomia, como se enxergasse através de sua alma. Eu não ignorei sua presença, mas não respondi prontamente a sua aproximação. Retirei meu baseado do bolso, ao qual ainda estava na minha mão dentro da bermuda, e com a outra mão retirei um isqueiro do bolso lateral, e acendi o baseado inclinando um pouco o rosto para frente. Não queria queimar meu queixo. A fumaça densa logo se perdeu ao perfume da maresia, junto ao vento vindo do mar. Excelente lugar para um baseado. Logo a mesma fumaça se envolvia em minha mente em nódoas de lembranças de lufadas de imagens pelo horizonte magnífico. O personagem de barba a minha frente voltou a insistir:
- Poderia dar uma fumada contigo? – Disse de olhos baixos e tingidos de humildade.
- Podemos fazer um acordo? – Respondi de imediato – Vou lhe dar a bagana.
- Claro. Eu sou inteligente. – Agora demonstrava uma certa arrogância em suas palavras, apesar dos olhos manterem o mesmo matiz de subserviência. Uma contradição em seus atos.
- Quem disse que não é? – Falava no mesmo tempo em que mantinha a fumaça viva pelos ares.
- O Homem lá de cima faz aquilo o que quer e o que manda é lei! Vem tudo do céu! – Gesticulava firme e falava com as mãos ríspidas no ar. Apontou para o céu quando pronunciou a palavra céu.
- Fica difícil viver em um lugar onde a lei é mais uma propriedade? – A conversa tomava um caminho inusitado, mas queria entender um pouco mais deste homem, vivendo perdido sem um lugar certo, além de não poder esperar muito de ninguém. Sua mente talvez fosse uma prisão, ou quem sabe livre de verdade, mas sem dúvida era o extremo.
- Não é difícil viver por aí! A rua é minha porque Deus me deu. Eu sou um gênio – Subitamente o homem da barba começa a me ignorar, adentrando em um grande discurso caoticamente insano, pelo menos para mim – Este pessoal aqui acha que sou burro. Mal sabem eles quem eu sou. Eu sou filho do Homem! Eu também estudei e li os melhores livros. Eu li os melhores livros. O síndico vai mandar todo mundo embora quando chegar à hora. E eu? O que sou? Sou filho do Homem! – Todos seus movimentos eram de forma energética e abrupta. Algumas de suas palavras eram incompreensível, sua boca arquejava em alguns termos na hora da pronúncia, todavia para ele mesmo isso fazia total sentido. Soltei outra lufada de densa fumaça – Estamos afundando no concreto flexível e ele vai solidificar. Como sairemos então? – Continuou - Não sei...acho que depende da estrutura psíquica; de estrutura mental; de escolhas; de se conhecer bem, e de conhecer o bem. Quem não se conhece, não sabe o que faz, e conseqüentemente, não tem domínio sobre si – Dizendo estas ultimas palavras olhou para mim com seus olhos cintilantes em subserviência, contudo ainda com sua voz arrogante e áspera.
- E o que você fará a respeito? – Indaguei depois de uma longa baforada em meu baseado.
- Estou evitando me apaixonar como o resto de todos nós. Estão todos apaixonados – Seus olhos tornaram-se esbugalhados, suas pálpebras estavam extremamente expostas em um grande abismo de significados. Pelo menos me pareceu assim.
- Você realmente acha isso? A paixão tem seu lugar? – Disse.
- Claro estão todos apaixonados. Apaixonados pelas coisas. Tudo aquilo que arrasta o homem para perdição – Nisso ele coçava sua barba – Aquilo que destrói o homem, todos querem. As coisas são as coisas que nos tornam coisas.
- Pra que você quer fumar? Você já esta bem doidão.
- Eu não estou doidão. Eu sou inteligente. O homem lá de cima vê e escuta e manda todos as merdas – Percebi que o base já estava no meio pro fim, dei uma última lufada com gosto e passei pro homem de barba o resto. Ele sorriu pra mim em agradecimento, parando seu discurso, e começou a fumar com vontade. Fez menção de devolver o baseado, mas eu neguei e disse que o resto era dele, já tinha arejado as idéias o suficiente. Principalmente depois de um discurso tão incisivo e mordaz, é impossível não refletir com afinco em tais palavras e agradecer pela troca de conhecimentos, de visão de mundo. O barbudo segurava a bagana com as pontas dos dedos da mão esquerda, enquanto a outra mão levantada acenava pro alto, e eu olhava a cena com um breve sorriso nos olhos. Duas mulheres tatuadas pelo corpo todo, de cabelos longos e morenos, ambos os rostos delicados, de narizes acentuados, passavam de mãos dadas ao lado do Homem de barba. Elas sorriram igualmente para ele. Ambas se olharam e comentaram alguma coisa, chegando à face bem próxima uma da outra, quase raspando os lábios. O que me fez imaginar obscenidades com as duas. Uma de quatro chupando a boceta da outra, linguando, com os lábios repletos de gozo e baba, tanto o beiço como a xota, deixando escorrer pelo canto da boca o muco, e atrás da oradora eu metendo fundo em seu rabo. Isso não durou muito em minha mente perdida, não queria ficar tão excitado na praia, poderia fazer alguma merda. Fiquei apenas olhando as duas partirem. As bundas carnudas se movendo com graciosidade. Eram lindas e musculosas, pareciam bochechas de um rosto lindo. O Barbudo senta do meu lado esquerdo de contra o vento, não deixando mais as duas aparecerem. A fumaça me envolve, mesmo assim o odor desagradável do barbudo cobre meus sentidos. Virei o rosto com repugnância e me afastei um pouco para o lado oposto ao dele:
- Pra onde você vai daqui? - Perguntei a ele.
- Eu não vou. Eu sou levado. – Suas rajadas de verde-de-fumo eram rapidamente tragadas pelo vento.
- E por quem você é levado?
- Por mim mesmo.
- Então você vai de qualquer forma. – Olhei pra ele interrogativamente, apesar de minha afirmativa.
- Sim, claro. Mas com uma pequena diferença. – Estava agora extremamente calmo, bem diferente há alguns minutos atrás. Não gesticulava violentamente e, com o semblante cerrado, todos seus movimentos me pareciam lentos, como as ondas enormes que ao quebrarem ao longe, parecem cair pausadamente. – Quando eu vou, quem toma a decisão sou eu. Quando sou levado, não sei o que estou fazendo, apesar de ir. E quase sempre sou levado.
- Mas um homem inteligente não sabe sempre o que está fazendo?
- Não necessariamente. Um homem inteligente está bêbado a maior parte do tempo pra agüentar os idiotas desta sociedade. E todos os bêbados são levados. Pelo menos a maioria deles.
- Ou chapado – Acrescentei sorrindo. – Mas você tem algum plano?
- Sempre temos. Quero levar todo mundo comigo. – Calou-se em uma careta e tragou mais algumas idéias. – Quem você acha que tem o domínio?
- Os políticos?
- Não, meu caro. As coisas. – Levantou-se e começou a andar despreocupadamente pela orla com seu baseado. As lufadas eram nítidas vista de longe, jamais poderia ser um cigarro, a fumaça era de mais. Seu andar era descompassado, sem pressa nenhuma e, como se quase caísse, seus pés afundavam na areia de maneira trôpega a cada passo. Só percebi que ele carregava uma sacolinha quando levantou e se foi. Tiro meus óculos escuro e limpo um pouco sua lente no pano da bermuda. A maresia e o vento, junto a areia e as gotículas de água impulsionadas no ar, a deixa um pouco suja. Depois disso enxergava bem melhor, tudo era mais límpido e fulgente. Meus olhos estavam crispados pela erva, e pensando nas palavras do barbudo, fui mudando as decisões da minha vida, de mudar, talvez não o mundo, mas a começar por mim mesmo. Não podemos deixar o produto escravizar o produtor. As coisas como disse o Barba. Recoloquei meu fone de ouvido e revivi mais uma vez o clipe de minha vida (religue a música), e acabei percebendo, que também estava preso as todas as coisas que nos tornam virtuais em uma realidade doente. As nuvens chegaram turvando a claridade de maneira abrupta. Não queria mais andar até ao country. Queria agora andar até a minha consciência. Senti falta de uma reflexão mais profunda, de uma visão de mundo diferente, tal qual me apresentou o Barba. Precisava ler um livro e não tinha nenhum em mãos. Decidi voltar pra casa preso em meu maldito clipe.