terça-feira, setembro 19, 2006

Sonho Perdido.


As vozes nunca se calam em nossa mente. Mente descaradamente aquele que jura de pé junto que não ouve vozes em sua imaginação absorta. somos todos loucos. A palavra silêncio não existe, o silêncio converge à realidade desdenhosa, na tentativa de explicação de uma fatalidade inexplicável. Já era tarde quando o jovem Amir saiu de casa em busca de uma quietude em suas vozes mentais. Sempre lhe acharam alucinado e ressabido. Vestia-se de maneira trôpega e descuidado. Não queria saber se diante aos olhos alheios a feiúra de cores esdrúxulas e retorcidas chamariam a atenção pela simples falta de combinação, e diante da calada de sua residência, foi descendo a rua em que morava com invejosa despreocupação. Nem sempre a realidade que nos ronda é a realidade que sonhamos como gostaríamos que fosse. A visão de mundo onde agora habitava sua consciência, pairava entre o ridículo e o infame. Sem talento, sem sorte, sem mulher, sem futuro. Apenas as vozes agora lhe davam a atenção. o Mundo, ó vasto mundo. A rua mal iluminada pelos postes carcomidos pela administração pública, trazia um pouco de limpeza, entretanto só um pouco. Havia tudo quanto é tipo de migalhas no chão. Mas nada disso afetava a tranqüilidade invejosa deste nosso jovem herói. Nada importa realmente, os valores deste jovem não são diferentes das dos demais, os ruídos da violência local não o abalam, a vida é realmente doce e os amargos inevitáveis da mesma, são insípidos a boca destas malditas vozes. O júbilo de festas e orgias, a existência em seu próprio ser, e o copo sempre vazio para se encher. Estes pensamentos estão sempre lhe alimentando a biografia. Não se pode viver mais sem uma boa boceta e um lindo par de seios. É só isso que importa realmente. O júbilo, o gozo, o regozijo. E assim ia Almir quando já estava em frente ao bar de João, onde havia combinado de encontrar com uns amigos; filhas da puta, vocês estão ai há muito tempo?; nada, nada, vai sentando ai, João desce mais uma aqui!; O bar estava razoavelmente cheio, pessoas tudo quanto é tipo se encontravam ali, não havia muito distinção de raça, credo ou cor espalhado pelo bar, apenas um grande maldito liquidificador onde se podia dizer, “puta que me pariu, parece um amaldiçoado zoológico”. Almir sentou-se ao lado de Cristina, uma antiga amiga de faculdade. Este grupo conversava sobre tudo, mas tudo mesmo, entre a prazerosa e pacifica futilidade, até grandes acontecimentos notórios de vasta repercussão mundial. Além de Cristina e Almir, também estavam a mesa, João e Manuela. Almir não se conteve e cortou os assuntos anteriores, que provavelmente era sobre a influência das drogas no sexo. De como é bom foder durante horas sobre a influência de alucinógenos; Caralho, acabei de ter um sonho muito louco, sinistro, acordei meio estranho, um sentimento medíocre de culpa, não sei bem; Almir falava um pouco alto, passava um pouco realmente de transtorno em sua voz; sério Velho? Sonho é uma parada muito sinistra, né?; Manu ininterruptamente tivera uma queda por Almir, olhava-o sempre de soslaio, admirando sua beleza feia, quando este não estava reparando. Almir continuou; Este meu sonho foi foda realmente, acordei me sentindo realmente estranho, nunca havia me sentido assim; Sim claro, continue; João em todas as conversas se mostra impaciente; Bem, como ia dizendo; Completou Almir. Sua fisionomia se mostrava um pouco questionativa; eu to muito transtornado, eu sonhei que tinha por volta dos seis anos, e claro que estava com outros amigos de seis anos e que desde então mantenho algum tipo de contato e estávamos todos com nossos respectivos pais obviamente; mas que porra de doido em cara; hi Cris, o pior ainda esta por vir. Por que isto fez eu perceber de como esta merda de tempo é devastadora e impiedosa, pois fez eu notar de como não valhamos o cu que cagamos; uma pomba zingrou o ar; hahahahaa, você é muito doido Almir; que isso velho, para com isso; Resmungou Manu, enquanto Almir continuava em seus transtornos; sério, eu to falando cara, até ontem eu tava fazendo doze anos, e quando você sonha que tem seis anos e não sabe nem tirar a merda da bunda, totalmente desconcertante; um ponto você tem razão,Velho, a gente não lembra que envelhece, só vê quando já está velho, mas acho bom nem pensar muito no assunto, é meio deprimente; Manu é uma destas baianas arretadas; é mas o sonho não para ai. È como eu disse, quando vemos, já estamos crescidos e limpando o próprio cu, e eu havia crescido totalmente. Lá pelas tantas, eu e meu irmão assassinamos alguém, uma velha decrépita. Nós matamos esta mulher simplesmente pelo fato dela ser muito velha, como se ninguém fosse notar que ela sumiu. Ela dava muito trabalho; Sinistro hem brother, eu que não falo mais contigo, por que pelo visto sou igualmente inútil pela sociedade, hahaha; A própria mesa se torna uma gargalhada; Bem, eu e meu irmão matamos a velha a facadas, ela agonizava que nem um porco, e enquanto esfaqueava a barriga da velha o sangue jorrava por todos os lados; Cris tinha uma pequena queda pela Psicologia; sonho bom hem Almir, ele está todo interligado, você criança, depois matando a velha, veja como você tenta matar o próprio tempo. O tempo é esmagador, insuflável, voraz, devastador e impiedoso, no entanto você que o matou; que nada, matei foi uma velha decrépita, hahaha. Em todo caso, depois de matar a velha, meu irmão ensaca o corpo e eu fico responsável de limpar a faca. Eu via nitidamente meu irmão ensacar o corpo. Quando vou ao banheiro vem um tio qualquer meu, meio garotão que fica ali conversando comigo, me enchendo o saco, e eu desesperado lavando a faca, eu tento esconder ela pelo banheiro, só que não a escondo, eu a perco, quando de repente estão todos no banheiro, amigos e familiares, e eu tentando achar a faca. Fico extremamente irritado, tenho que fazer algo sério e todos rindo que nem uns merdas; meu amigo, você tomou o seu remédio antes de dormir? Hahaha; hehehe, seu escroto, em todo caso, quando volto pro quarto, a velha já esta ensacada. Meu irmão está terminando de passar uma corda em volta do corpo todo enrolado por um saco plástico, assim como alguém para a porta, não me lembro quem, lembro só do vulto, e meu irmão sentando em cima do corpo pra disfarçar; hahaha, que doidera esta porra, você esta inventando esta merda agora, não tem nexo; inventando o caralho, justamente por não ter nexo é que concretiza mais um sonho.

Foi Quase Um Sonho.




Se pudéssemos presentear alguém com a posse da democracia, não a daríamos de mãos beijadas, afogadas no mamão e mel, a um simples presidente de um país de culto a violência, ou aqueles mais armados com ideais e erudito à igualdade social, tão pouco estudiosos e intelectuais que pregam a vigilância da equidade e identidade de povos massacrados pela história. A democracia seria carregada pela lua, eclodindo aos céus em um arder de chamas incandescentes refletidas, vindas do sol. A lua não escolhe o alvo a ser iluminado pela noite, seu círculo vicioso, aos olhos de quem se depara com tamanha magnitude, jorra vorazmente a todos, além de tudo, aquilo que habita as idéias, a lua como a noite pertence aos amantes apaixonados, sempre alienados a dores, a não serem as suas, não obstante pela mesma luz escura estão os poetas solitários, ao meio um deserto de sentimentos compreensíveis incompreensíveis pelo próprio poeta, outrossim, cegamente, orgias e bacanais, aqueles que fazem das festas e drogas uma magnificência de sua vida e, mesmo nas sombras claras desta luz escura, a lua ora por todos indiscriminadamente, até mesmo o jovem que chegara repentinamente em seu quarto abafado de um apartamento, entorpecido pela sonolência inerte. Sentiu-se. Seus braços pesaram, puxando-o de maneira ébria violentamente de contra a cama que o esperava aconchegante e receptiva, tombando, vociferou um uivo de prazer e adormeceu pesado, suas pálpebras olhavam agora um mundo inventado pela sua fantasia, onde a realidade é o pesadelo dos sonhos. Em um piscar de olhos levantou-se, olhando de soslaio para o relógio, com medo de encará-lo, constatou o impossível, faltava ainda uma hora para ir a faculdade, num suspiro aliviado, o jovem levantou-se em uma pressa vulcânica e, deixando de lado a preguiça, arrumou a cama com uma alegria inédita, estar dentro do tempo de chegar à aula era até gostoso, tinha até ocasião para tomar um banho, sendo justamente isso que fez em seguida. A água estava quente, uma temperatura ideal, o banheiro limpo, a toalha pendia certinha na parede, pronta para ser usada. O odor era de flores campestre, apesar deste inesperado prazer, tornou-se um banho sem muitas delongas, não queria perder este momento, de estar dentro do prazo de pegar o primeiro tempo de aula. Enxugou-se com uma certa pressa, mas sem aforçuramento, escovou os dentes e pegou uma roupa limpa para usar, estranhou seu armário organizado, não lembrava de o ter arrumado – Bem, deve ter sido a Josete – Quando acabara de se vestir o despertador soou de forma insuportável, todavia, deixou-o tocar constantemente, um pandemônio, uma algazarra, gritaria, vozearia, alvoroço, berreiros, balbúrdias, brados e bramidos, um tumulto sem fim, chame-o como quiser, a verdade é que o despertador tornou-se o acontecimento mais insuportável da terra, e a outra verdade foi à capacidade, quase que fantasiosa, de suportar aquele tormento matinal. Todavia a verdade às vezes torna-se mentira ou sonho. Desligou o despertador. Apesar disto o tormento continuou, inexplicavelmente, aquele som estridente e lacrimejoso de ódio não cessava, ficava repetindo invariavelmente. O jovem desliga-o e liga-o mais de cinco vezes e nada de silenciar o despertador. Em uma fúria repentina joga o aparelho de contra a parede com toda sua força, espatifando em mil pedaços pelo quarto, sendo assim, mesmo assim, o som ainda era repercutido por todo apartamento, firmemente na mesma constância e invariavelmente, fazendo o jovem beirar a loucura. Em um ato desesperado recolhe os destroços minúsculos pelo quarto, agrupando tudo na cozinha, ao som do aparelho, faz uma enorme fogueira, para enlouquecê-lo mais, nada de silenciar a maquininha, apenas repetia seu sopro de vida naquele interminável fenômeno acústico. Desta vez vociferou um uivo de medo e loucura. De súbito, seus olhos abrem com extrema dificuldade, vendo-se deitado ainda na cama, refletindo ainda em pensamentos – Caralho. Eu não estou louco - olhando de soslaio para o relógio, com medo de encará-lo, constatou o impossível, em presença a realidade dos fatos e acontecimentos, tudo foi um maldito sonho. Ante ao som que ainda pairava no ambiente, acertou um murro com tamanha força no aparelho que, na mesma hora, reinou um silêncio agradável e cântico, interrompido apenas pelos minutos de aborrecimento do jovem ao constatar as horas, faltavam dez minutos para iniciar as aulas, levantou-se em uma pressa vulcânica e, deixando de lado toda vaidade, calçou apenas seu tênis, não havia tempo para o banho, tão pouco trocar de roupa e com uma resignação estóica frugalizada deslizou pela porta de saída, adentrou o elevador e desceu na velocidade de um sonho.
O ponto de ônibus não chega a ser longe, apesar de não ser ao lado seu prédio, fazendo com que chegue ao ponto rapidamente, descera correndo a ladeira que separa seu vasto edifício da rua central de laranjeiras, inacreditavelmente conseguiu não tropeçar, tanto quanto não esbarrar nos transeuntes que por ali já baixavam de um ônibus que a medida em que corria o tempo aliado aos quilômetros, esvaziava de esperanças cúmplices dos desejos explícitos e implícitos, sendo estes, sempre que nutridos ou desnutridos pela inimaginável vontade, crescem e afloram o medo de estar vivo para que não se possa estar morto.

Sangue Bom.


O sol já nos mostrava a face linda de uma esplendorosa manhã, polido por um calor típico de verão, apesar de estarmos em plena primavera. Diante desta estação cheia de graça e de esperanças, não sendo só as águas de março que trazem promessas de vida ao coração, os brios, altiveza de primavera carregando em todo ser vivo, prostradas ante a vontade de estar em vida, a fervura alegre da luxúria esperando o auge do verão. Rasteiro dentre a persiana, rastejando invadindo as sombras, já enfraquecidas pela manhã, inexistente em sua essência, a luz tentava acabar com o resto de sopro escuro daquele aposento, e alastrando as remelas ao cômodo dos olhos, forçava os cílios de um jovem estudante a abrir seus córneos para mais um dia inesperado, sendo este à vontade de alguém que ri em algum canto. A preguiça desestimula as juntas, fazendo-se esta subitamente teimosa, puxando o corpo por mais alguns minutos de sono a cama. O sono é uma das maiores injustiças da natureza humana, sempre teimando em ir embora, não importando se dormimos o suficiente ou não, contrapartida quanto mais precisamos dele, o sono pode virar-se e demorar a chegar, e neste meio segundo de tempo que esperamos o sono chegar ou partir, o tempo escorre de maneira insuportável pelos sentidos e, vupt, acabou o nosso tempo. Aproveitando a bermuda que usara para dormir, calçou os sapatos, buscou a primeira camisa do armário, pegara a de mais fácil acesso, e como já foi dito, o tempo acabara, o estômago haveria de esperar, não podia atrasar desta vez, tinha que chegar no horário, ou voltaria para casa sem poder novamente assistir aula. Por conta disto saiu um pouco apressado, fechou a porta sem trancar, seu irmão ainda haveria de sair, e por conta de uma ponta de sorte, o elevador já estava ali o esperando, mas claro que a pressa se perdeu no minuto que o elevador demorou em descer os vinte e dois andares, daquele velho vasto edifício. Lentamente, porém contínuo, desce a ladeira esperando o tempo alcançar não sabemos o que, talvez o hábito de contemplar as miúdas da vida, tudo aquilo que nos cerca, desde um besouro de cor excêntrica até o jornal expostos nas bancas, as vitrines do cotidiano chamativas, tanto pela curiosidade mórbida dos acontecimentos do mundo, ataques contínuos ao senso comum, duelando de um lado o fanatismo absorvido em uma massa inapta inescusável de atrocidades, revelando o óbvio de um pensamento há muito ultrapassado, do Homem lobo do Homem, até as futilidades de uma vida em lixo no luxo, misturado em um mundo andrógeno, sem definição aparente. Atravessou em tropeços a rua quando percebera, meio que despercebido, um acaso quando olhara a mulher que passou, deixando vestígios daquele breve ecfonema, o ônibus parado no sinal, pelo menos aos seus olhos nus, já rufando pronto para partir, aquele mesmo ônibus demorado, nunca chega, por mais que alguém o espere, ele vai atrasar, demorar o máximo, e se ele está passando agora, AMANHÃ PASSARÁ O OUTRO, como sabemos, o amanhã é algo inesperável. Acontece que o dia realmente estava a favor deste estudante, entrou no transporte coletivo e partiu satisfeito – Conseguirei chegar a tempo hoje, graças ao bom Deus sorte – pensou sentando-se atrás de uma senhora repleta de compras. Passado alguns minutos, quando o jovem percebe algo inusitado em sua viagem, - O que é que eu estou fazendo em frente à faculdade Santa Ursula? Eu deveria estar indo para a Marquês de Abrantes – Acontece que seus sentidos estavam lentos demais, não percebera que entrara no ônibus à frente o seu, o que acarretou em mais um atraso, a culpa pesou em seus pés por dois motivos, teve quer ir a pé mesmo, e a tristeza o fizeram andar de maneira mais arrastada. A viagem não chega a ser uma viagem, a não ser em sua mente, podendo mais a ser comparado a um pulo.
Ao adentrar a escola, percebe um acontecimento inusitado, algumas tendas armadas e caixas espalhadas por todos os cantos, o que o fez poder passar tranqüilamente desapercebido pelos demais. Pessoas vestidas de branco atendo filas de alunos espalhados pelo grande pátio, formando inúmeros corredores de alunos, subitamente – Com licença meu jovem, o senhor já participou da campanha que estamos promovendo aqui na escola? – Não, ainda não. – É que estamos oferecendo a campanha Doe Sangue Feliz do Hosp... – Neste meio tempo em que começou a ouvir sobre a campanha, enganou as palavras, junto ao olhar do homem que lhe dirigia com tamanha educação, podendo observar as caixas, onde havia sanduíches, chocolates e frutas. O estômago então falou - Ta ótimo! O que tem que ser feito para eu poder participar? – Nada muito difícil. Qual seu nome? – Pedro – Pedro, vem comigo que eu irei cadastrá-lo e depois é só você se conduzir para uma das filas, a doação é bem rápida – Tranqüilo, já perdi a aula mesmo – Após preencher todas as informações necessárias do formulário, conduziu-se para a fila com uma breve delonga, ficou a observar o ambiente, havia até esquecido a fome por um breve momento, contudo ao lembrar que haveria um lanchinho após a doação, logo o sorriso exibiu seus dentes repletos de aparelhos refletindo toda satisfação daquela inesperada manhã. Deitou na maca prostrada atrás de uns toldos no meio do pátio, sorriu de maneira ardil quando a enfermeira veio trazendo a agulha. Logo após a alfinetada em seu braço, já não incomodava mais ficar ali estirado com aquele pequeno pedaço de metal fincado em sua carne, podia-se dizer do prazer que existia em ficar ali, sem fazer nada, não mexer um músculo sequer, estirado em uma maca enquanto de minutos em minutos vinha uma simpática enfermeira ver como se estava passando o doador, sendo que ao mesmo tempo em que não se faz nada, o doador faz muita coisa, está ajudando uma infortunada alma, ou seja, faz-se nada e faz-se tudo. Doar o sangue levou alguns minutos, não muito longos, levantou-se já eufórico, a fome havia triplicado, dominando os pensamentos de imediato, além de uma breve caminhada, a atividade praticada em si no ato de doar sangue, lhe tirou o resto do controle sobre o estômago, mal acabara a enfermeira de lhe tirar o alfinete do braço, levantou-se voraz e na mesma voracidade exterminou com um sanduíche, um não, mas dois pedaços de chocolate, um suco e uma fruta, sim, agora estava satisfeito, tão logo foi tranqüilamente assistir as aulas, de barriga cheia sem mais nada lhe atazanar.. Poderia ter pegado o elevador, mas a preguiça de esperar o fez subir de escada, às vezes é mais difícil esperar o tempo fazer algo. A preguiça de esperar debela a quietação, nos tirando da inércia. A aula que havia perdido era matemática, não sabendo ao certo se perdera a aula por culpa do inconsciente, que sempre nas aulas de maior desgosto o acordara tarde, aos sustos e barrancos, movendo-se atolado por aí, ou o próprio inconsciente o fazendo dormir tarde, tirando-lhe o sono da noite para por durante as aulas. Na verdade foi o que acabou acontecendo, a próxima aula que pertencia à história nacional, foram algumas babas na mochila, que podia até se ver escorrer a mesa. O recreio chegou com um susto, o sinal tocou aliviando de imediato a paciência, onde esta se encontrava mergulhada no enfadonho. Conversou com alguns amigos da sala e desceu para o pátio, podia se ver em seu semblante as marcas do tédio, precisava se distrair um pouco, desviar um pouco a atenção, ouvir de longe as pessoas, parecer que não está ali, como um espírito. Ao chegar no pátio, do outro lado das tendas armadas, ficou olhando umas crianças brincando de pique ao redor, ficavam gritando bastante, mexendo uma com as outras sem se importar em se feriem, dizem o que as palavras vinham à mente sem pestanejar, e ali perto o jovem estudante observava atento, ficou a recordar de seus tempos de criança, das preocupações ganhas e também daquelas perdidas, quando dois meninos pararam por ali e começaram a conversar, um com os olhos esbugalhados de admiração, meio que fantasiosos, enquanto que o outro ouvia atentamente boquiaberto – Matheus, eu acho que sou mágico. Hoje quando eu tava vindo pra escola, junto com a Miriam que trabalha na minha casa, a gente tava no ônibus e quando eu dizia pro ônibus pará, ele parava. Eu até disse pra Miriam e ela disse que eu sou mágico. – Será que eu posso ser mágico tamém? – Eu não sei. Quando você tiver voltando pra casa, você tenta parar o seu ônibus, mas olha que é muito difícil – O jovem estudante ficou ali, sorrindo da ingenuidade dos dois, sorriu também por relembrar a magia que é ser criança, sempre com a esperança como instrumento da percussão de suas vidas. Seu breve momento de reflexão foi interrompido por um de seus amigos que agora sentava ao seu lado, estava com um hambúrguer a mão, repleto de catchup e mostarda, chegando até mesmo a pingar o molho ao chão, escorrendo um pouco pelo guardanapo, um verdadeiro horror, ou uma suculência aos olhos de quem come – Fala Juliano, tranqüilo? – A boca cheia apenas deixou falar alguns balbucios - Você doou sangue? – Quando cheguei. Gostei foi do lanchinho – Respondeu sorrindo maliciosamente – Pior é que tava bom, mesmo! – Conversaram passando por músicas, políticas, mulheres, até que tocou o sinal. Foram até a sala e assistiram as duas ultimas aulas. Química e Física a que acabou com as reservas alimentícias do jovem, a fome estava desperta novamente. Não havendo dinheiro para o lanche, nem a possibilidade de pedir emprestado, não queria gastar dinheiro, nem deixar para ter que gastar depois pagando suas dívidas, então ao passar pelas tendas teve uma brilhante idéia. Claro que não foi a idéia de alegar que havia doado sangue e estava se sentido fraco, cheio de fome, precisando se recompor com mais alguns chocolates e sanduíches, este jovem é cheio de escrúpulos, seu caráter não o deixou fantasiar, nisso resolveu doar sangue novamente e comer tranqüilo, sem culpa ou mazelas da consciência, porém desta vez não poderia se cadastrar, pois correria o risco de ser expulso dali sem o precioso lanche. A doação agora foi mais rápida, não havia filas nem o ato de se cadastrar, os alunos da tarde não haviam chegado ainda, o que fez com que ocorresse sem delongas. Sua satisfação foi inefável diante da colina de prazer que se ergueu em seus sentidos ao dar a primeira mordida naquele sanduíche, o que fez parecer uma eternidade. Não demorou muito e partiu contente, um pouco embriagado, mas como todo bom embriagado, contente, ainda pensou – Hoje eu vou malhar pesado.

Sim, Eu Sou Lento.


Era um maravilhoso entardecer de novembro, extraordinariamente cálido, um rapaz deixou o quarto em que habita, em um vasto edifício de vinte e quatro andares no bairro de Laranjeiras e, lentamente com ar indeciso, caminhou para a sala cujo telefone não parava de tocar. Com a voz evasiva tentou desconversar a mãe que já o chamava pra ir ao açougue, antes que passasse da hora do almoço. Seu apertamento fica logo abaixo o de sua mãe, o que fez com que rapidamente, não precisando enfrentar turba ou coisa do gênero para encontrá-la, subiu as escadas ainda meio lento, um tanto quanto ébrio, podendo ainda ouvir os sambas ecoarem na cabeça, dando tempo para os nervos acordarem da noite anterior. Suas indumentárias eram facilmente um destaque no meio de transeuntes, estava de tal modo andrajoso que qualquer outro se vexaria de exibir em pleno dia semelhantes farrapos, no entanto suas preocupações estavam além de suas vestimentas. Havia algum tempo em que este rapaz andava com a mania dos solilóquios, lástimas de uma melancolia que o perseguia, alastrando-se pela sua personalidade, fazendo-se muitas vezes calado, introspectivo e de poucos sorrisos, contudo não poucos amigos. Aos degraus da escada já se podia ouvir a balburdia sonora que administrava o recinto, uma música clássica que se expandia até uns cinco andares abaixo. Ao abrir a porta, o som opaco, torna-se ainda mais furioso, infectando até uns três andares abaixo o silêncio harmonioso que até então governava pelos cantos de cada andar. Meio aturdido pela música, o sol a cegar-lhe o semblante, esmiuçando a vista entre a claridade já escuta aos berros ao pé do ouvido – Meu Filho!!!!! A comida chegou ao fim. Pega este dinheiro, - colocando de qualquer forma dentro do bolso da calça - vai até o açougue aqui em baixo e compra dez fatias de chan fino, obrigada Meu Filho, você é um anjo...- Mal acabara de falar, empurrou-o de volta para o corredor fechando a porta com uma violência cujo som fora abafado pela música, que até então, não deixara de ocupar o recinto.
Lentamente, porém contínuo, desce a ladeira esperando o tempo alcançar não sabemos o que, talvez o hábito de contemplar as miúdas da vida, tudo aquilo que nos cerca, desde um besouro de cor excêntrica, aquela borboleta linda que voa sobre o vento, nos lembrando uma folha esquecida pela árvore, as formigas, apesar de cegas, sempre andando em fileiras, nunca se perdendo diante do mundo, infindável labirinto, até as contemplações expostas em bancas de jornal, a cada dia o fio que tece a epiderme da sociedade, utópica ou real, é cicatrizada por uma nódoa de violência, na qual todos se perguntam o fim, podendo ser o nosso ou não. Diante deste palco, das perguntas sem respostas, destes solilóquios ecoando, surge em sua frente, já, o açougueiro fintando todas as vozes que então tomavam sua atenção – Pois não, Meu Filho, vai querer o que? – Vou querer dez quilos de carne, chan, por favor. Apesar da resposta vim de súbito, pareceu-lhe meio estranha, dez quilos é muita coisa, ainda mais quando veio o açougueiro com aquele mundo de carne, jogando meio de qualquer jeito em cima do balcão e ainda perguntando entusiasmado – Vai querer uma lingüiça ou um coração, talvez uma picanha? – Não. Vai ser só isto mesmo – Apesar da convicção com que respondia, em seus ouvidos hesitavam em acreditar que a mãe falara em dez quilos de carne, contudo deixou por isto mesmo – São vinte e dois Reais – Ao tirar o dinheiro do bolso percebe que não seria o suficiente, e diante de seus próprios resmungos, paga completando com um trocado que o pertencia, subindo logo em seguida com o peso extra, na mesma lentidão, na mesma continuidade, nos mesmos solilóquios. Saindo do elevador o som agora é o silêncio, o perfume é de uma suculência fazendo umedecer qualquer boca – Aí Mãe!!!! Você vai dar um churrasco??!!! – Meu Filho, Você enlouqueceu?!!?!?