quinta-feira, novembro 02, 2006

O Quadro Social.


O peito arde contínuo, adornado em todos os significados possíveis de lepra e degradação humana. Depredado e infeliz fitava pela janela tudo aquilo que ele não fazia parte ao meio o crepúsculo. Os carros de luxo zimbravam em desdém, ao lado de toda inutilidade moderna, igualmente deprimente. Era marginalizado por seus semelhantes. Alguns diriam certamente; ele mesmo escolheu os passos a seguir, ninguém é obrigado a nada. O homem constrói seu destino, e asfalta sua estrada. Pensando desta maneira tudo se encaixa, a questão é só a intensidade de seu trabalho. Antes fosse, pois às vezes nos falta o material do asfalto, às vezes nos falta às mãos livre para construir. Seu copo já vazio pairava ao canto de sua escrivaninha. Diante de todos estes pareceres e ponderações resolveu sair deste marasmo em que se encontrava, não fodia e nem saia de cima. Os quadros já não saiam como antigamente, tanto nas edificações como na comercialização. Viu-se tolhido pela falta de piche em seu asfalto. O aborrecimento já era uma de suas principais armas contra o tédio, sempre se deixando levar por sentimentos quaisquer de ódio e insatisfação. Andou pela casa inutilmente buscando uma saída, mesmo que ela existisse, não seria assim tão fácil encontrá-la, no que diria vislumbrá-la. Mesmo de soslaio teimava em olhar de novo para a janela. Encarava aquilo que ele mais temia. O caos urbano perdido em si e em todos. E isso aumentava cada vez mais a sua tendência ao abandono de seu corpo. Não a mente que convenhamos, infelizmente, nunca se cala. Não tolerou muita aquela imagem citadina e fechou as persianas com brusco movimento. Os olhos olharam para cima para baixo sempre se perguntando...”aonde isso aqui vai parar? Veja minhas inquietações. Não posso parar de negar a mim mesmo que o futuro dentre todos possíveis, ultimamente, tem sido favorável à perdição. E nem por conta disso deixo de ir à esquina encher a cara com meus amigos alcoólatras. Tenho pena daqueles infelizes, talvez por sentir pena de mim mesmo. O que seria talvez o mundo sem estas pessoas? O que seria do homem feliz se não existissem os tristes? E do que diríamos dos momentos? Enquanto minha cabeça maquinas as conspirações do universo, peguei uma caixinha especializada de cigarros, de uma marca famosa (aberto a patrocinadores), e abri para pegar meus utensílios de artesanato na hora em que aperto um baseado. Fiquei ali alguns minutos na confecção. Eu gosto disso sabia. De ficar meticulosamente degustando a minha fumaça. Parei por alguns segundos de apertar; minha bexiga deu um berro e eu precisava dar uma mijada. Quando percebi, ao lado do sabonete ao qual acabava de lavar a mão, um fininho pronto pro abate. Guardei toda a tralha do meu artesanato matutino e acendi aquela merda mesmo. E lá fui eu pro meu portal. Mergulhei de cabeça mesmo. Fiquei pensando se meu trabalho valia a pena mesmo, não gostava do que fazia, e sabia também que não tinha muita escolha. A pintura era a minha arte, a minha verdadeira motivação do meu viver. Ficar enfornado em uma sala fazendo burocracias decididamente é um ato de suicídio, qualquer um pode enlouquecer ali. Fui pra cozinha e preparei um bom café, pouco antagônico eu achei, mas me bateu uma puta vontade de um café. Comecei então os preparativos, enquanto pensava no meu emprego. Peguei o coador, coloquei em cima da garrafa térmica enquanto acendia o fogo para ferver a água. Voltei para sala esperando a água esquentar, reacendi meu baseado e voltei para minhas inquietações. Eu realmente gosto desta minha vida solitária, não entendo por que ficam me enchendo a porra do saco; João Marcelo, você deveria arrumar uma esposa, já está em tempo de se casar...Eu não posso me casar, não posso colocar indivíduos dependendo de mim, eu não consigo fazer o mínimo de escolhas diante de tantas possibilidades, o que diria da vida de outros indivíduos. Talvez por isso não goste do meu emprego realmente, acho que poucos se realizam profissionalmente e ficam perdidos nos números de escolhas. Além do que; Somos todos uns canalhas e são todas piranhas. Fui pra cozinha e apaguei o fogo, peguei a panela com a água fervendo e derramei a água em cima do cuador onde já havia despejado o café. Ficou uma pequena lambança, mas o gosto é que realmente importa. Dava pro gasto. Enquanto vestia minha calça me deprimi. Por ver que eu, um jovem idealista, cheio de alma jovial e com uma esperança avassaladora, me transformar no que mais temia; a justificativa para a solidão. Acho que gostaria de voltar para a escola, Não por saudade daquela merda de instituição, talvez para poder pensar de novo que eu possa ter um rumo, poder imaginar um futuro promissor. É isso, sou o que sou e lamento muito. O sol já havia se posto a dormir quando reabri a janela para ver como andava a rua no inicio da noite. Precisava de inspiração pro meu último quadro. Digo último pois sempre me refiro assim as minhas ultimas obras. Sempre é a ultima, juro a mim mesmo que pararei e levarei uma vida sem reflexão, arte ou coisas inúteis do tipo. Pintar é coisa de babaca. Tenho pena do meu colega Van Gogh, sofreu o diabo a vida toda, sempre tachado como um pobre infeliz e sem futuro, vivendo na pobreza e miséria, pedindo esmola pros familiares e morreu vendendo um único quadro. Hoje em dia um de seus quadros vale uns oitenta milhões de dólares. E o puto não pode nem curtir sua maldita genialidade. Uma pena. Os gênios sofrem para seguir suas aspirações, sua verdadeira paixão, enquanto a própria sociedade e alguns bajuladores se beneficiam disso. E não compreendendo nada do que aquilo realmente significou, abandonam seus criadores. Bem, não importa, sei que não será meu ultimo quadro. O que sei é de certo, se parar com a minha arte enlouqueço, mais do que já me perdi. Fechei tudo na casa e sai”. Confirmando que trancara a porta de seu apartamento, duas vezes como de costume, desceu as escadas apressadamente rumo à rua. Haviam inúmeras pessoas andando pela calçada apressadamente, parecia que elas estavam perdendo alguma coisa, ou fugindo de algo, não havia certeza ao certo do que elas corriam, ou para onde iam, mas andavam apressadamente. A lua ardia intensamente, irradiando luz por todo céu límpido. Era uma noite clara. Pela primeira vez o Pintor caminhava diferente em sua própria rua, em seu próprio bairro, trazia um espírito observador mais afincado, olhava a tudo e a todos como nunca havia olhado, para ele era como se nunca houvesse andado por ali, apesar de estar em sua própria casa. Perscrutava todas as casas, latas de lixo tombadas, as sujeiras esparramadas ao longo do asfalto, e sobretudo as pessoas, um velho de semblante mal encarado com o seu cachimbo baforando densas fumaças ao longo de sua caminhada, segurando desengonçadamente algumas revistas e jornais de baixo do mesmo braço q carregava as compras. Acontece que este senhor queria manter um braço livre para segurar o seu maldito cachimbo, o que o fez pensar, “é mais vale manter o vício, a estética e a inutilidade de sua aparência do que manter a praticidade”. Talvez aquele senhor desengonçado desse um bom quadro, “veja como ele anda sem jeito pela rua, chamando atenção de todos tentando segurar as compras enquanto segura de maneira ridícula este cachimbo”, ou talvez não desse nada de mais realmente, pois o artista sabia que precisaria de algo mais desafiador, algo que lhe despertasse sua antiga paixão, a mesma que ele conheceu quando começou a pintar. Segui em frente com pequenos passos, e nunca esquecendo de reparar na corrida de ratos a sua volta. Começara a reparar em alguns mendigos que ali vivia e que nunca notara. Alguns de aspecto esburgado, bem, sujo e nojento. Outros havia em sua aparência o desdém de alguém que já tivera tudo e que escolhera a solidão no meio de um tumulto, um voragem de pessoas. A verdade é que nem ele, tão pouco os indivíduos a passarem ali apressadamente, percebiam estes pequenos infelizes, só os próprios moradores de rua sabiam de sua existência. De olhos tristes e enfadonhos viviam a catar restos por ali, sendo tratado como ratos, pelos próprios ratos que competem entre si. “Não, isso não, pintar mendigos é um pouco apelação, digo, não que não mereçam atenção artística, mas quem vai querer um mendigo catando lixo em sua sala de estar, ou em seu escritório de advocacia? E também não tenho estômago pra isso”. A mente estava cheia de imagens e visões, tudo correndo a sua volta, aqueles que voltam pra casa, observados por quem não tem aonde ir e vistos por fulano que queria saber pra onde estava indo. Uma verdadeira confusão, mas um objetivo só. E ao mesmo tempo em que isso tudo se organizava, o senso comum ao redor da mente destes seres, é que adorna os traços de quem é ou não, que pode fazer parte disso tudo, desta imagem única chamada sociedade. O Glamour intricado nos marginais expostos, sem serem realmente percebidos, como artistas perdidos, doentes mentais, assim como vagabundos e filósofos, faz este homem se sentir perdido ao meio de tanto cinismo. Percebendo que a noite seria longa, decidiu pegar um ônibus e ir à lapa, um grande centro cultural carioca; a distração é o melhor refúgio, de nós mesmos, de si mesmos e da opressão do que assistimos. As figuras iam fazendo formas em sua cabeça, todavia não havia sentido, tão pouco significado tudo o que montava com seus pincéis invisíveis. Pegou um ônibus no Largo do Machado que o deixou na porta de um bar, o que veio bem a calhar, pois o lugar estava cheio de pessoas descontraídas e risonhas, todos bebendo e flertando descomprometidos com a veracidade. O bar mais lembrava um restaurante, com mesas e cadeiras espalhadas por todo o recinto, mas lembrava mais bar por seu aspecto sujo e pelo fato de todos irem lá, só para beber. Claro que havia petiscos, contudo não era o principal, nem a paixão de todos, a cerveja era a principal guarnição. “Fiquei parado só observando as mulheres, como são seres sublimes, gostosas, rabudas e apetitosas. Macias com um singelo perfume, andam de forma provocante, quais nos olham, um sorriso malicioso acompanhado de um delicado franzir em seus cenhos, fico louco. De início fui um pouco esquecido pelo garçom, não sei se foi por que cuspi muito no chão, ou foi por ele realmente não ir com a minha cara, mas não importa, uma vez que no final acabei sendo bem atendido. Gostava de ficar admirando aquelas mulheres, principalmente aqueles rabos. Quanto mais bunda melhor. Quando pinto um nu, dou uma pequena atenção especial a esta parte do corpo, não é a toa que os gringos ficam loucos aqui. Continuei sentado ali na mesa um pouco mais, até perceber que o lugar inflamou a tal modo que era impossível ficar sentado. Acabei levantando por causa do bafo que se formou no bar restaurante. Encostei-me na parede para não ficar muito visível, gostava do meu anonimato. De repente se fez maior tumulto, parece que é normal no Rio de Janeiro sair na porrada sem mais nem menos. Um garoto bombadinho se irritou sabe-se lá por que e começou a baixar a porrada em outro igualmente bombadinho, acontece que este resolveu não reagir, e o agressor não estava satisfeito com o fato do outro querer permanecer em paz, então não parou de bater. Bem, que se foda, não tinha nada a ver com isso, aproveitei a confusão pra ir ao banheiro, enquanto a turma do deixa disso tentava apaziguar as coisas. O banheiro estava razoavelmente cheio, me dirigi então para uma das cabines da privada, e lá chegando encontrei milhares de frases espalhadas pelo cubículo, e comecei a ler enquanto mijava. A merda fede mais quando se pisa nela. Rapadura é doce, mas não é mole não. Gosto é que nem “cú”, cada um tem o seu. Aqui só tem viado. Quando você compra a merda, o cheiro vem junto. Apareça aqui quinta a noite, que eu chupo seu pau. Levanta pra cair de novo. Depois do silêncio, só a musica para explicar o inexplicável. O tempo é a cura de todos os males, bem assim como, de todos os bens; materialistas ou não”. Esta última fez um efeito em suas idéias, ficou meio preocupado com o tempo, com suas faltas de perspectivas, o tempo consumindo sua paciência aliada a esperança de melhoria, além da falta de alguém, contradizendo a sua vontade da solidão. Releu a frase com ênfase na parte materialistas ou não. Ser materialista se tornou parte de um contexto de sobrevivência, consumir e buscar a felicidade através do consumo, o verdadeiro segredo. “Sai do banheiro com aquelas palavras martelando em formas de ecos em meus pensamentos. Quando coloco o pé pra fora do toalete vejo que a turma do deixa disso, tornou-se a turma do quebra isso. A briga havia se tornada generalizada, resolvi sair de lá então o mais breve possível, com um leve sentimento de desprezo, me mudando então pro bar do vizinho em frente, onde alguns curiosos haviam saído para assistir o tumulto, como de praxe. Sendo que logo de cara dou de frente com uma puta ruiva, não resisti e tentei travar um diálogo”.
– Você não estava no Bar do Ernesto sábado passado naquele show de samba e choro?
– Não era eu não.
– Bem, devia ser alguém tão espetacular quanto – Ela o apreciou de esguelha, tentando não deixar muito na cara o agrado, ainda resistindo um pouco a aproximação, nada fácil de mais é de bom grado aos olhos de ninguém. Ele continuou assunto, dando a entender que pegaria algo no bolso, puxou um cigarro e ascendeu com um isqueiro de marca (aberto a patrocinadores).
– Você fuma?
– Depende do que vamos fumar...rs.
– Bom, pelo visto este aqui você não fuma.
– Não costumo, mas vou aceitar um.
- João Marcelo. Prazer.
- Dani...
– Poderíamos ir ali tentar sentar em algum lugar.
– Não dá, estou com umas amigas perto da grade fora do bar, por que não se junta a gente?
– Prefiro não, “as coisas nunca saem como se espera, já deveria saber disso, eu já sei disso, mas temo e teimo em não fazer planos tão pouco argumentos de subterfúgio”, mas podemos terminar este cigarro por aqui.
– Claro que podemos, por que não?
– não sei, caberia a você responder a esta minha pergunta
– rs... talvez seja melhor eu não responder nada, posso me complicar
– Mas são justamente destas complicações que surgem as soluções para os nossos problemas...rs.
– Me desculpe querido, mas eu já estou boa com o pouco que tenho.
– Isso porque nunca lhe deram tudo aquilo que você mereça, já parou pra pensar que talvez buscamos nos acostumar com o pouco que temos, pra não nos decepcionarmos muito com nós mesmos nem com nossas ambições?
– Talvez, mas como explicar aqueles que não se cansam de pensar sempre mais? – Pelo visto este nosso cigarro vai virar algumas garrafas...rs.
-Olha, está bom realmente este papo, mas eu realmente não posso, tenho que ir. Minhas amigas estão me esperando, nós vamos entrar no Carioca da Gema, por que você não vem com a gente?
- Não posso, eu realmente gostaria...Mas tenho que ir andando, já estava de saída, amanhã levanto cedo – A verdade não poderia ser dita assim, tão as caras, tinha que manter uma visão distorcida dos fatos. Não queria admitir para si, e não podia dizer a mulher, que não estava lá com saco de conhecer pessoas novas, queria idéias, caminhar com a solidão e refletir, uma foda até ia bem, mas não uma noite completa de barulhos e tumultos – Podia me dar o número do cel?
- Tsc!! To sem, fui roubada estes dias. Anota o meu MSN; red_angel@hotmail.com .
- Bem, espero que seja realmente este...rs.
- Você não tem nada a perder, só a ganhar...rs, mas eu garanto.
- Prefiro acreditar realmente...Quem sabe?
“Adorei aquela conversa inesperada, bom colocar em prática o radar socializador, se perdermos isso fodeu”. Resolveu voltar a pé resoluto que no meio do caminho conseguiria a visão máxima de sua inspiração. E realmente foi o que aconteceu, se viu totalmente inspirado, o espírito enriqueceu-se de visões, espectro e sonhos. Enquanto andava pensou em voz alta; “Ir pra casa pintar um vaso com uma maçã, ou uma mulher gostosa, bater punheta e é isso”.

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