segunda-feira, abril 19, 2010

Guarda Tudo.





O asfalto inebriava a imagem com o calor recebido do sol. A rua tranqüila recebia poucas pessoas que por ali passavam; Um Gari Meio Manco varria as ruas imundas da desordem. Nos movimentos lentos da vassoura, ele carrega o lixo de um lado para outro orquestrando a cadência da lentidão; Uma Senhora de Idade arrasta um carrinho de compras cheio, levando um pé de cada vez e sustentando para frente toda sua corcunda; Um Menino com sua mochila volta da escola para casa, observando o tempo e as árvores com curiosidade, sem perceber que o tempo se move junto com ele; um cachorro dorme na preguiça da vagabundagem, indiferente a fome. Na violência do abrupto um homem magro dobra a esquina correndo no desespero da loucura, vestindo terno e gravata num calor de quarenta graus, ele transpira toda sua velocidade em segundos; correndo, correndo e correndo. Cruzando a rua numa agilidade incrível, o Engravatado sente suas pernas doerem e seus joelhos afrouxarem, e quando achou que iria cair, correu mais e mais.
O Engravatado saía de casa por volta das oito da manhã, teria que chegar ao trabalho um pouco mais cedo. Descia de elevador com uma carranca e os olhos vidrados em sua esposa Amanda, aparentemente tiveram alguma discussão. Amanda era uma mulher extremamente elegante, andava sempre vestida na moda e possuía lindas curvas de Tamburello. O Engravatado não dizia nada, apenas encarava, enquanto Amanda desviava o olhar, talvez de culpa. Na calçada cada um foi para o seu lado, sem despedidas, beijos ou afagos. Amanda pegou o carro do casal. O Engravatado decidiu ir de Metrô.
Era tudo um tumulto só, filas e pessoas se espremendo por algum espaço de centímetros quadrados. A careta apenas ficou mais evidente e, mesmo com ar condicionado, era impossível não suar ali dentro. “O tempo passa devagar, quando se está na merda”; Uma eternidade de empurra-empurra até ser cuspido na carioca. Atravessa a rua na faixa de pedestres acompanhado de inúmeras formigas trabalhadoras, sem saber que seus segundos de vida corriam rápido como elas. Pegou o elevador num prédio comercial e, por coincidência, encontrou sua secretária. Os olhares se cruzaram cúmplices, deixando evidenciar uma intimidade proibida. Houve apenas um oi para tentar esconder a excitação aparente. Ao sair do elevador, foram juntos até o café do grande escritório, trocando algumas confidências, sem dar muita pinta, disfarçando ao máximo para os outros profissionais. Sugeria negócios. Conversa restrita no trabalho é um engodo muito interessante, aumenta o fetiche; parece o que realmente não o é. O Engravatado Entrou na sala e colocou o café perto de uma montoeira de processos, no mesmo tempo em que a Secretária se sentou à mesa mais afastada. Logo na tela do computador havia um recado que dizia: Paulo, não poderei vir hoje, por isso fiz plantão ontem. Att. Pablo. Seu cenho fechou. Saberia que o dia seria mais puxado. A Secretária entra novamente, fazendo-o pensar:
“Caralho, eu vou comer muito ela na hora do almoço, preciso extravasar” – Diga Rita. - trincou num sorriso cafajeste.
- Acho que nossos planos afundaram, bebê. – Falou carinhosa sem perder a postura.
- Como assim?
- Você leu o recado do Pablo? Ele não vem. Ele ia numa audiência na vara criminal de Nova Iguaçu. Ver aquele processo da mãe do traficante que recebeu um carro dum jogador. Só tem você para fazer esta audiência. Você vai ter que sair agora. Não vamos poder almoçar juntos, mais uma vez. – Terminou a frase magoada, afinal ela tinha 18 anos.
Paulo virou puto esbarrando no copo de café e o deixa cair em cima de alguns processos. Desesperado, limpa alguns com a gravata, pega a maleta e coloca os processos dentro. Antes de sair, para do lado de Rita, ainda parada na porta, e diz:
- Eu juro que volto pro jantar. – Enfatizando o Eu.
Pegou um ônibus pra Nova Iguaçu no Castelo. Puxou um livro de Charles Bukowski e mergulhou de cabeça. As palavras das ruas mudavam conforme as paisagens do livro; ao redor a cidade; suas ruas tortuosas se perdiam em movimentos inúteis. Um livro faz uma grande viagem, em todos os sentidos. Logo pelas tantas percebeu que já chegara à Nova Iguaçu e precisaria pegar outro ônibus para a Vara Criminal. Desceu no ponto e ficou esperando. Não demorou muito. Paulo vê seu ônibus parado no sinal e com a porta de entrada aberta. Deu uma corridinha até ele e entrou. O ônibus era daqueles modelos antigos, com a entrada e o a cabine do Trocador pela porta traseira. Paulo entrou meio estabanado, quase catando cavaco, não teve coragem de olhar para a cara do Trocador, teve vergonha. Deixou o dinheiro e passou, sentando-se logo ao lado de uma Senhora Gorda num dos bancos mais altos e a frente do trocador. Não demorou muito para mais uma vez amaldiçoar todos os deuses, afinal, tem dias em que você está num mato sem cachorro, e o seu gato morreu. Puxou o livro do Bukowski, quando foi interrompido pela Senhora Gorda que sentava ao seu lado.
- Guarda tudo que você tem de valor. – A face da Senhora era de pânico.
“não acredito que esta puta vai me assaltar” – Como? – respondeu.
- Guarda tudo que você tem de valor. O ônibus está sendo assaltado. – A Senhora parecia bastante aterrorizada. – Aquele Cara e a Mulher dele estão roubando todo mundo, moço. – Um Cara estava sentado do lado de uma adolescente, com a arma na barriga dela, ao mesmo tempo em que a Mulher dele ficava ao lado do Motorista, sempre falando com este e olhando para frente. Não acreditando no seu dia, ele apenas paralisa e observa tudo calado. O sangue queima e as mãos gelam. Uma evangélica rezava muda pra todos os Santos e orixás; a maioria dos passageiros fitava o chão com medo. Todos muito quietos, no instante em que a Senhora Gorda ameaça a perder a razão.
- Moço, acho que vamos todos morrer.
- calma que tudo se resolve na paz.
- Vamos todos morrer, moço. - Ela esfregava as mãos intensamente e soluçava num choro contido.
“se eu ficar do lado desta surtada, vou tomar um tiro de bobeira”.
Sem falar nada, ou pensar muito, levantou-se desviando seu olhar dos assaltantes, e por sorte ambos não o viram. Sentiu-se invisível. Caminhou decidido buscando não fazer muito barulho com os passos, chegou atrás da cabine do Trocador e sentou-se, “pelo menos aqui eu tenho um escudo”. Ambiente tenso no ônibus. O silêncio incomodaria um surdo. Não haveria muito a ser feito, “quem realmente quer tomar um tiro pelas coisas materiais, valeria a pena se fosse uma questão moral”?  - Pensou.
Espichou o olhar por de trás da poltrona do Trocador; o casal de Malandros falava com o Motorista ajeitando os frutos do roubo, nos bolsos e dentro da calça. O Ônibus pára em um ponto e os dois Malandros descem. O Mais curioso era que o Cara Assaltante carregava com dificuldades uma máquina de secar louça. Paulo seguiu com os olhos os dois pela rua, com o Cara a carregar a máquina na cabeça com dificuldades e tentando correr.
Subitamente o reboliço tem seu estopim numa frase – “Minha Nossa Senhora da Aparecida, Oxum, Oxalá, Jesus Cristo é o Senhor! – A Evangélica agradecia seu Deus e todos seus santos por nada ter lhe acontecido. Todos comentavam o pavor e o terror de viver tal experiência, alguns comentavam por alto:
- Aquele Senhor ali estava com uma máquina de secar louça, e os bandidos levaram.
- Levaram meu relógio também.
- Meu pagamento todo foi com estes Filhos da puta!
Diante o tumulto dentro do ônibus, o Motorista para na rua ao lado de uma patrulha de policia um pouco mais à frente, contado o caso como ocorrera e especificando que o casal carregava uma máquina de lavar louça. Não foi nem dez segundos depois que o policial dissera ao rádio como era o casal de ladrões, e o que carregavam, prenderam os Malandros. Quando comunicaram aos passageiros, foi só alegria. Todos se cumprimentavam. Inclusive a Evangélica foi dizer ao Paulo que não morreu por rezar o Salmo 26 e prometer a Iemanjá três lírios.
Devido aos procedimentos legais dito pelo policial, todos do ônibus teriam que ir até a delegacia para fazer o Boletim de Ocorrência. Muitos começaram a reclamar, inclusive Paulo que não poderia perder em hipótese alguma sua audiência. Um novo reboliço fora formado. No meio da discussão o Motorista tentou sair com o ônibus, resvalando de leve num carro que se movia ao lado. Evitando maiores danos ao automóvel, o Motorista dá uma freada brusca, levando uns dois ou três passageiros ao chão. A confusão estava tomada, alguns desceram do ônibus e o dono do automóvel começou a gritar da rua. O policial tentou conter a ordem, mas era apenas um para tantos infelizes. Paulo aproveitou a desordem e saiu de manso com seus passos curtos e decididos, e foi só passar a traseira por fora do ônibus, saiu em disparada.
Um Gari Meio Manco varria as ruas imundas da desordem. Nos movimentos lentos da vassoura, ele carrega o lixo de um lado para outro orquestrando a cadência da lentidão; Uma Senhora de Idade arrasta um carrinho de compras cheio, com dificuldade levando um pé de cada vez, sustentando para frente toda sua corcunda; Um Menino com sua mochila volta da escola para casa, observando o tempo e as árvores com curiosidade, sem perceber que o tempo se move junto com ele; um cachorro dorme na preguiça da vagabundagem, indiferente a fome. Na violência do abrupto Paulo dobra a esquina correndo no desespero da loucura, vestindo terno e gravata num calor de quarenta graus, ele transpira toda sua velocidade em segundos; correndo, correndo e correndo. Cruzando a rua numa agilidade incrível, Paulo sente suas pernas doerem e seus joelhos afrouxarem, e quando achou que iria cair, correu mais e mais.
Não agüentado dar um passo sequer, parou escorado num poste e começou a respirar todo o ar que podia; se ar tivesse preço, Paulo estaria morto. No meio de suas blasfêmias, acaba vendo ao seu lado a entrada da Vara Criminal que tanto lhe esperava. Agora tudo fazia sentido; gargalhou ao máximo. A Senhora de Idade o olhava incrédula, enquanto Paulo gargalhava o resto de sua razão.    

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei Lobato. Parece um roteiro que você tinha me narrado faz um tempo. Quando vira filme? Um abraço.
Andrew