terça-feira, setembro 19, 2006

Sim, Eu Sou Lento.


Era um maravilhoso entardecer de novembro, extraordinariamente cálido, um rapaz deixou o quarto em que habita, em um vasto edifício de vinte e quatro andares no bairro de Laranjeiras e, lentamente com ar indeciso, caminhou para a sala cujo telefone não parava de tocar. Com a voz evasiva tentou desconversar a mãe que já o chamava pra ir ao açougue, antes que passasse da hora do almoço. Seu apertamento fica logo abaixo o de sua mãe, o que fez com que rapidamente, não precisando enfrentar turba ou coisa do gênero para encontrá-la, subiu as escadas ainda meio lento, um tanto quanto ébrio, podendo ainda ouvir os sambas ecoarem na cabeça, dando tempo para os nervos acordarem da noite anterior. Suas indumentárias eram facilmente um destaque no meio de transeuntes, estava de tal modo andrajoso que qualquer outro se vexaria de exibir em pleno dia semelhantes farrapos, no entanto suas preocupações estavam além de suas vestimentas. Havia algum tempo em que este rapaz andava com a mania dos solilóquios, lástimas de uma melancolia que o perseguia, alastrando-se pela sua personalidade, fazendo-se muitas vezes calado, introspectivo e de poucos sorrisos, contudo não poucos amigos. Aos degraus da escada já se podia ouvir a balburdia sonora que administrava o recinto, uma música clássica que se expandia até uns cinco andares abaixo. Ao abrir a porta, o som opaco, torna-se ainda mais furioso, infectando até uns três andares abaixo o silêncio harmonioso que até então governava pelos cantos de cada andar. Meio aturdido pela música, o sol a cegar-lhe o semblante, esmiuçando a vista entre a claridade já escuta aos berros ao pé do ouvido – Meu Filho!!!!! A comida chegou ao fim. Pega este dinheiro, - colocando de qualquer forma dentro do bolso da calça - vai até o açougue aqui em baixo e compra dez fatias de chan fino, obrigada Meu Filho, você é um anjo...- Mal acabara de falar, empurrou-o de volta para o corredor fechando a porta com uma violência cujo som fora abafado pela música, que até então, não deixara de ocupar o recinto.
Lentamente, porém contínuo, desce a ladeira esperando o tempo alcançar não sabemos o que, talvez o hábito de contemplar as miúdas da vida, tudo aquilo que nos cerca, desde um besouro de cor excêntrica, aquela borboleta linda que voa sobre o vento, nos lembrando uma folha esquecida pela árvore, as formigas, apesar de cegas, sempre andando em fileiras, nunca se perdendo diante do mundo, infindável labirinto, até as contemplações expostas em bancas de jornal, a cada dia o fio que tece a epiderme da sociedade, utópica ou real, é cicatrizada por uma nódoa de violência, na qual todos se perguntam o fim, podendo ser o nosso ou não. Diante deste palco, das perguntas sem respostas, destes solilóquios ecoando, surge em sua frente, já, o açougueiro fintando todas as vozes que então tomavam sua atenção – Pois não, Meu Filho, vai querer o que? – Vou querer dez quilos de carne, chan, por favor. Apesar da resposta vim de súbito, pareceu-lhe meio estranha, dez quilos é muita coisa, ainda mais quando veio o açougueiro com aquele mundo de carne, jogando meio de qualquer jeito em cima do balcão e ainda perguntando entusiasmado – Vai querer uma lingüiça ou um coração, talvez uma picanha? – Não. Vai ser só isto mesmo – Apesar da convicção com que respondia, em seus ouvidos hesitavam em acreditar que a mãe falara em dez quilos de carne, contudo deixou por isto mesmo – São vinte e dois Reais – Ao tirar o dinheiro do bolso percebe que não seria o suficiente, e diante de seus próprios resmungos, paga completando com um trocado que o pertencia, subindo logo em seguida com o peso extra, na mesma lentidão, na mesma continuidade, nos mesmos solilóquios. Saindo do elevador o som agora é o silêncio, o perfume é de uma suculência fazendo umedecer qualquer boca – Aí Mãe!!!! Você vai dar um churrasco??!!! – Meu Filho, Você enlouqueceu?!!?!?

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