terça-feira, setembro 19, 2006

Foi Quase Um Sonho.




Se pudéssemos presentear alguém com a posse da democracia, não a daríamos de mãos beijadas, afogadas no mamão e mel, a um simples presidente de um país de culto a violência, ou aqueles mais armados com ideais e erudito à igualdade social, tão pouco estudiosos e intelectuais que pregam a vigilância da equidade e identidade de povos massacrados pela história. A democracia seria carregada pela lua, eclodindo aos céus em um arder de chamas incandescentes refletidas, vindas do sol. A lua não escolhe o alvo a ser iluminado pela noite, seu círculo vicioso, aos olhos de quem se depara com tamanha magnitude, jorra vorazmente a todos, além de tudo, aquilo que habita as idéias, a lua como a noite pertence aos amantes apaixonados, sempre alienados a dores, a não serem as suas, não obstante pela mesma luz escura estão os poetas solitários, ao meio um deserto de sentimentos compreensíveis incompreensíveis pelo próprio poeta, outrossim, cegamente, orgias e bacanais, aqueles que fazem das festas e drogas uma magnificência de sua vida e, mesmo nas sombras claras desta luz escura, a lua ora por todos indiscriminadamente, até mesmo o jovem que chegara repentinamente em seu quarto abafado de um apartamento, entorpecido pela sonolência inerte. Sentiu-se. Seus braços pesaram, puxando-o de maneira ébria violentamente de contra a cama que o esperava aconchegante e receptiva, tombando, vociferou um uivo de prazer e adormeceu pesado, suas pálpebras olhavam agora um mundo inventado pela sua fantasia, onde a realidade é o pesadelo dos sonhos. Em um piscar de olhos levantou-se, olhando de soslaio para o relógio, com medo de encará-lo, constatou o impossível, faltava ainda uma hora para ir a faculdade, num suspiro aliviado, o jovem levantou-se em uma pressa vulcânica e, deixando de lado a preguiça, arrumou a cama com uma alegria inédita, estar dentro do tempo de chegar à aula era até gostoso, tinha até ocasião para tomar um banho, sendo justamente isso que fez em seguida. A água estava quente, uma temperatura ideal, o banheiro limpo, a toalha pendia certinha na parede, pronta para ser usada. O odor era de flores campestre, apesar deste inesperado prazer, tornou-se um banho sem muitas delongas, não queria perder este momento, de estar dentro do prazo de pegar o primeiro tempo de aula. Enxugou-se com uma certa pressa, mas sem aforçuramento, escovou os dentes e pegou uma roupa limpa para usar, estranhou seu armário organizado, não lembrava de o ter arrumado – Bem, deve ter sido a Josete – Quando acabara de se vestir o despertador soou de forma insuportável, todavia, deixou-o tocar constantemente, um pandemônio, uma algazarra, gritaria, vozearia, alvoroço, berreiros, balbúrdias, brados e bramidos, um tumulto sem fim, chame-o como quiser, a verdade é que o despertador tornou-se o acontecimento mais insuportável da terra, e a outra verdade foi à capacidade, quase que fantasiosa, de suportar aquele tormento matinal. Todavia a verdade às vezes torna-se mentira ou sonho. Desligou o despertador. Apesar disto o tormento continuou, inexplicavelmente, aquele som estridente e lacrimejoso de ódio não cessava, ficava repetindo invariavelmente. O jovem desliga-o e liga-o mais de cinco vezes e nada de silenciar o despertador. Em uma fúria repentina joga o aparelho de contra a parede com toda sua força, espatifando em mil pedaços pelo quarto, sendo assim, mesmo assim, o som ainda era repercutido por todo apartamento, firmemente na mesma constância e invariavelmente, fazendo o jovem beirar a loucura. Em um ato desesperado recolhe os destroços minúsculos pelo quarto, agrupando tudo na cozinha, ao som do aparelho, faz uma enorme fogueira, para enlouquecê-lo mais, nada de silenciar a maquininha, apenas repetia seu sopro de vida naquele interminável fenômeno acústico. Desta vez vociferou um uivo de medo e loucura. De súbito, seus olhos abrem com extrema dificuldade, vendo-se deitado ainda na cama, refletindo ainda em pensamentos – Caralho. Eu não estou louco - olhando de soslaio para o relógio, com medo de encará-lo, constatou o impossível, em presença a realidade dos fatos e acontecimentos, tudo foi um maldito sonho. Ante ao som que ainda pairava no ambiente, acertou um murro com tamanha força no aparelho que, na mesma hora, reinou um silêncio agradável e cântico, interrompido apenas pelos minutos de aborrecimento do jovem ao constatar as horas, faltavam dez minutos para iniciar as aulas, levantou-se em uma pressa vulcânica e, deixando de lado toda vaidade, calçou apenas seu tênis, não havia tempo para o banho, tão pouco trocar de roupa e com uma resignação estóica frugalizada deslizou pela porta de saída, adentrou o elevador e desceu na velocidade de um sonho.
O ponto de ônibus não chega a ser longe, apesar de não ser ao lado seu prédio, fazendo com que chegue ao ponto rapidamente, descera correndo a ladeira que separa seu vasto edifício da rua central de laranjeiras, inacreditavelmente conseguiu não tropeçar, tanto quanto não esbarrar nos transeuntes que por ali já baixavam de um ônibus que a medida em que corria o tempo aliado aos quilômetros, esvaziava de esperanças cúmplices dos desejos explícitos e implícitos, sendo estes, sempre que nutridos ou desnutridos pela inimaginável vontade, crescem e afloram o medo de estar vivo para que não se possa estar morto.

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