sexta-feira, dezembro 12, 2008

Novo Lançamento Dia 13 De Janeiro.




A Matilha do Cachorro Louco. Uma forma de análise da sociedade carioca contemporânea, sempre buscando retratar os transtornos e conquistas
daqueles que a compõe. O livro não tenta se dedicar apenas às diferenças sociais de classe, e sim ao homem real convivendo em tons de cores distintas e em diferentes situações. A Matilha do Cachorro Louco é uma simbologia a própria sociedade, tentando mostrar de maneira metafórica, os vícios, as paixões, as perdas, as vitórias, os tropeços, as corridas, a vida e a morte da moldura, das formas concisas e concretas de ser. “O Mundo pintado em fantasias, servindo de molde o uivar de uma realidade perdida em lobos e feras; A moldura forjada em máscara de personalidades e banhada na psicologia de personagens decaídos”. O livro insere a sociedade em um raciocínio comum, reflexivo, sobre escolhas e convívio. Sem redefinir, ou criar rótulos, traz conjecturas sobre as escolhas e suas conseqüências. A Matilha do Cachorro Louco delineia diferentes tipos de linguagem dentro de um mundo de palavras trazendo em si, a junção música/texto dentro de uma nova linguagem literária. Recomenda-se ao leitor ouvir a música (exigida pelo próprio texto, o que, contudo, não é obrigatório); uma leitura que ligará o leitor ao escrito, proporcionando participação junto ao personagem. Uma unidade. A Matilha do Cachorro Louco busca despir a literatura em suas formas de influência mútua entre leitor e os escritos.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Lançamento Do Livro Dia Nove (9) De Dezembro.



Editora Multifoco.
Lançamento Dia Nove(9)de dezembro.
19 Horas.
Av. Mem De Sá. 126.
Lapa.
Tel. 2222-3034.

Aceita Cartão; Visa e Master.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Um Mundo de Reificação Total








Prefácio Escrito Por Carlos Lima, Do Livro; A Matilha Do Cachorro Louco;



Imaginai o mundo que Marx previu em O Capital, imaginai um mundo após o apocalipse capitalista, imaginai um mundo sem amor, sem piedade; um mundo sem utopia de qualquer espécie, é este d’A matilha do Cachorro Louco. Imaginai Céline numa viagem ao fim do esgoto, a Noite das Walpurgis sem Goethe e Meyrink, Adrian Leverkuhn sem Thomas Mann. Imaginai o livro que Henry Miller não escreveu: O Pontapé na Bunda de Deus. Imaginai o mundo de Maura Lopes Cançado onde o Hospício é Deus, mas um deus desativado e deletado, totalmente alienado de qualquer resquício humano ou então, o mundo transformado na Enfermaria no 6 de Tchecov: “abandonai toda esperança, os que entrarem”.
Este é o mundo d’A matilha do Cachorro Louco, mundo da concentração total da reificação do Capital onde o humano não existe mais, o futuro sem passado, o passado sem presente, o presente sem amanhã; não mais numa ciranda financeira mas tão somente a fusão e confusão na concussão do êxtase enantésico da suruba financeira. Consola-nos neste Inferno de Wall Street, o fragmento de Taturema do canto II do Guesa Errante do poeta Joaquim de Sousa Andrade:
“- Indorum libertate
Salva, ferva cauim
Que nas veias titila
Cintila
No prazer do festim!

- A grinalda teçamos
Às cabeças de lua:
Oaca! yaci-tatá
Tatá-yrá!
Glórias da carne crua!

- Missionário barbado,
Que vens lá da missão,
Tu não vais à taberna,
Que interna
Tens-na em teu coração!”
Carlos Lima.

sábado, outubro 04, 2008

Esquecidos Por Deus.









- Se nos pegarem, estamos fodidos. – ao longo da estrada as antenas surgiam, enfeitando o céu negro. Alguns casebres abandonados ao nada mostravam vidas com suas luzes tremendo no escuro. Como alguém poderia viver afastado do todo? Talvez, realmente, fosse uma boa solução, saber que ai nada irá lhe alcançar, a não ser a maldita televisão, entretanto seria uma escolha sua. Não demorou muito para chegarmos numa cidade de beira de estrada, não consegui ver o nome dela. Tivemos que diminuir um pouco a velocidade, sempre nestas cidades de beira tem um ou dois pardais. O comércio também é intenso nestas áreas; posto de gasolina; lojas de eletrodomésticos; mecânicos; restaurantes; lanchonetes. Quase tudo fechado, contudo havia um restaurante aberto; Texas Grill. O que não era bom, pois deu abertura pra seguinte frase de Beiço.
- Porra, to na maior fome, vamos parar naquela churrascaria...
- Excelente idéia – Igor se pronunciou.
- Pelo visto sou voto vencido. – Extravasei.
- Encosta aí, Igor.
- Não é bom ficar dando mole, nós estamos com pressa, temos drogas no carro, Caralho!
- Deixa de ser neurótico. Vamos comer rapidinho. – Beiço rebateu. – To na maior fome.
- Vamos continuar a viagem, caras.
- Aí, a carne deve ta boa. – Disse Igor. Era inútil relutar, quando vi já estávamos estacionando o carro no estacionamento do restaurante. Na entrada tinha um boneco ridículo montando uma vaca gorda, gigantesca. Descemos todos do carro.
- Vou dar uma mijada. – Comentei.
- Também quero... – Beiço esperou um pouco, como se esperasse alguém chegar de carro, todavia nada aconteceu.
- Boa idéia. – Finalizou Igor. Pegamos um corredor de tijolos amarelos, o que me fez sentir no mundo do Mágico de Oz, e eu procurava um cérebro por andar com estes dois idiotas. Estava frio, gelado para ser exato, ventava um pouco e meus pêlos arrepiaram todos, senti meu nariz gelar e minhas orelhas congelarem; tremi. Fiz uma concha com as mãos e soprei um bafo quente dentro, logo em seguida esfreguei uma contra a outra para aquecê-las no atrito. O banheiro era ainda mais frio, por conta dos azulejos e de seu tamanho. Tinha uns armários também presos na parede. Havia cinco funcionários lá dentro se arrumando e gritando ao conversarem. Deviam estar indo embora, pois haviam acabado de tomar banho e colocavam a roupa e arrumavam umas sacolas para levarem. Gritavam muito, gesticulavam, faziam uma baderna. Nisso Beiço se aproxima e comenta baixo:
- Porra, vai dar merda. O Igor não gosta destas balburdias; gritarias sem sentido.
- Cuida dele então, o amigo é seu, eu vou mijar. – Não deu tempo de evitar o que estivesse por vir, pois Igor se trancou numa das cabines de privada. Os cinco continuaram com a balbúrdia.
-... Mas não tinha jeito mesmo, você viu as roupa da menina? Era uma cachorra! – Gritou um malandro mexendo numa sacola, colocando um uniforme dentro, talvez. Não deu pra ver muito bem. Beiço observava tudo e também prestava atenção na porta da cabine de Igor. Outro dos funcionários segurava o jornal aberto e folheava constantemente entre as notícias. Trajava uma camisa vermelha e uma calça azul escrota. Ele já estava pronto, parecia esperar o resto do pessoal.
- Também acho que ela não deveria andar com aquelas roupas, chamou atenção porque quis. – Disse outro colocando um casaco azul. Este homem era calvo e de olhar cansado, e seu nariz de batata comandava a estética do seu rosto.
- Deus não gosta desta pouca sem vergonhice... – Gritou outro funcionário mexendo num dos armários. Guardava seu uniforme e retirava uma bolsa com algumas tralhas dentro. Carregava no rosto uns buracos na pele, marcas do tempo, ou da falta de cuidado talvez, de oportunidades. Todos eles falavam alto, gesticulavam, ou até gritavam sem pudores, provavelmente esqueceram que também somos clientes. – Aquela menina deveria encontrar com deus, cedo ou tarde, por bem ou por mal. Eu conheço o poder da reza, e digo mais, tenho provas e testemunhas de seu poder. Não dá pra andar por aí com a roupa que quiser, tem que ter decência. – Este cara é viado, pensei. – Teve o que merece.
- Você viu que mataram outra puta de beira de estrada? Joga esta camisa aí pra mim, moleque! – Berrou o homem de casaco azul e seu nariz de batata.
- Bom que nos livrou de outro mal. - Um quarto funcionário colocava uma calça furada. Era o mais novo deles, por isso o chamavam de moleque.
- Hoje temos que ir ao culto, salvar algumas almas. Temos que continuar patrocinando a fé neste país, só assim conseguiremos a salvação divina. – Falou alto o homem de nariz de batata. Um quinto homem observava calado, apenas vazia expressões do tipo, que se fodam estes lunáticos, algumas vezes balançava a cabeça em sinal negativo. – Tudo está nas mãos do Senhor. Eu estou falando pra vocês, não deixe que o demônio engane vocês, ele vem em diversas formas; vem no corpo de uma mulher; vem nas drogas; vem no desemprego; vem na pobreza... – Parecia que o Nariz de batata estava se empolgando em seu discurso. Com certeza também era pastor, ou tinha a pretensão de se tornar um. – A felicidade está na pele de Jesus, enquanto o amor está em sua barba. Existe um caminho muito próximo entre o Demônio e o Senhor. Um passo e vocês podem cair em vícios. – Gritava o homem. – Vejam estes drogados, por exemplo; estão infestando o mundo com sua impureza. Só Jesus no coração desta gente pra expulsar o Demônio. – Eu estava lavando as mãos, enquanto beiço secava as suas em alguma toalha papel.
- Acho que nem Jesus pra salvar os drogados. – Disse rindo o Moleque.
- Você está duvidando do poder de Jesus? – Exclamou o Nariz de Batata. – Os drogados são pessoas fracas de cabeça que se dão para as drogas. Nós temos que levar Jesus às pessoas perdidas como as putas, os drogados, os mercenários, os assassinos, os homossexuais, os que dão o cu, os que fodem com animais; só Jesus salva. – Nariz de Batata falava bem alto e gesticulava.
- Estas pessoas merecem a morte. – Comentou o homem com uns buracos na pele.
- Se eles encontrarem Jesus, não precisarão morrer. – Vociferou O Nariz de Batata. – Caso não queiram encontrar com Nosso Senhor Jesus Cristo, a morte é o melhor caminho, porque eles já estão mortos, só não sabem disso. E quando a vontade de Deus reinar na terra, estas cachorras sumirão e a paz voltará a reinar. – Igor sai de repente de sua cabine. Um olhar taciturno adornava sua fisionomia. Seus tiques estavam violentos, fortes como nunca estiveram. Suas pernas chutavam o nada após um passo, contudo ele vinha andando sem aparentar muito se incomodar com ninguém ali. Reparei em sua face um pó branco preso nos pêlos de sua narina, certamente ele deu uma carreirinha de leve. O Nariz de Batata não parou seu discurso e continuou berrando. – Hoje de manhã temos que ir agradecer a Deus, desta benção tão grande que é a vida. Vamos patrocinar a fé pelo mundo afora.
- Por que esta gritaria toda? – Igor se aproximou do Batata e falou bem calmo, num olhar frio e impetuoso. - Fale baixo, por favor, eu sou drogado, não surdo. – Todos ficaram desconcertados. Parecia que ele não havia ouvido nada do que se disse no banheiro.
- Calmo lá, amigo. Estamos... – Tentou argumentar Batata.
- Calmo é o meu pau que sabe esperar gozar na hora certa. – Igor parecia não querer muita conversa. Colocou o dedo na cara do Batata, ele não parecia se importar em estarmos em menor número; foda-se, o guerreiro sempre vive, não importa a guerra, não importa os meios, o que importa é o massacre, o fim.
- Igor, qual foi, cara? – Beiço se intrometeu no pequeno conflito. O cara de Buraco franziu as sobrancelhas, dando um passo pra trás ficando perto do seu armário; O sujeito que lia o jornal começou a dobrá-lo; O Moleque de calça rasgada fez uma careta de medo. Uma tensão começou a pairar em todo o ambiente. Eu tive sensato receio, o medo dominou minhas retinas, junto a minha imaginação. Comecei a imaginar possibilidades, alguém podia estar armado, um destes malditos pastores podiam ser um ninja disfarçado. A realidade às vezes voa em todas as possibilidades possíveis em minha mente, o que deixa de ser real, e passa a ser devaneios sem sentidos. Comecei a observar os movimentos de todas as pessoas no recinto, e dei uns passos em direção ao homem com os buracos na pele, caso ele tentasse tirar algo de seu armário. – Não precisa disso, deixe estes malucos na dele... Qual foi?
- Ouça seu amigo, meu caro. Jesus desaprova a violência, vamos conversar e ficar em paz, na paz de Nosso Senhor Jesus Cristo. – Disse o Nariz de Batata. O moleque não disse nada, apenas olhava assustado. Devia ter uns dezoito anos. O homem, ao qual havia dobrado o jornal, levantou-se e caminhou em nossa direção, seus olhos eram calmos e contemplativos, sua boca era meio aberta naturalmente, dando-o um aspecto de retardado.
- Por que não nos acalmamos? – Disse o homem do jornal. – Já não basta a violência gratuita que consumimos todos os dias? – Colocou a mão no ombro de Igor. – Tantas mortes desperdiçadas...
- Tantas vidas, você quer dizer. – Completou Beiço.
- Tantas mortes mesmo... – Disse o homem do jornal interrompendo. Seu olhar manteve um ar sádico.
- Não me encosta não, filho da puta. - Igor se desvencilhou da mão e encarou o sujeito.
- Ora, vamos parar com isso vocês dois. – O Batata interrompeu as provocações dos dois, empurrando o homem do jornal pra longe. – Vá pra lá Leonardo. Não comece você também, não está vendo que tenho tudo sobre controle, deus está olhando por nós.
- Você quer ver um barbudo, desgraçado? Meu saco é barbudo! – Igor disse num tom sarcástico, porém calmo e sereno. – Por que você grita tanto no meu ouvido, parece uma bicha tagarela? – Igor não alterou a voz em nenhum momento, sempre cândido e de movimentos leves. Era engraçado olhar assim; apenas tentava conter seus tiques nervosos, que de tempos em tempos, escapava ao seu controle.
- Deixa dessa, cara, vai pra lá, vai! – Beiço empurrou Igor pra perto do bidê e, tentando argumentar com o Batata, foi afastando-o com cuidado pra longe de Igor, enquanto Igor encarava com ódio e desdém, algo difícil de imaginar, contudo assustador. Era nítido que os cinco funcionários estavam nervosos com o acontecimento, formou-se um tumulto desnecessário, empurra-empurra e uma leve discussão. Eu não saí de perto do cara próximo ao armário, sabe-se lá o que ele poderia tirar de lá. Beiço gesticulava muito para apartar o conflito. Não demorou muito para cada um ir pro seu canto. O Nariz de Batata olhava feio para todos nós, parecia nos amaldiçoar e, não tirando os olhos do Cara de Buraco, fingi lavar as mãos despreocupadamente. Igor estava com um semblante mais tranqüilo, ele ia aos dois pólos com extrema simplicidade, realmente era um homem genial, em meio aos seus tiques e explosões; caminhava entre a afobação e a calmaria; do externo ao interno; da agonia a paz eterna; do medo a coragem com extrema facilidade. Ainda num sorriso inteligível, Igor virou-se e disse:
- Vou dar uma mijada. – A tensão ainda era grande, todos se entreolhavam esperando o momento exato para acordar, só precisava de um grão de areia e tudo iria explodir; a gota d’água, e Igor não só pingou a gota, como deixou uma caixa d’água toda derramar no chão do ladrilho frio do banheiro.
- Haaaaaaaaaaa... – Igor gritou o tanto quanto pôde ao mijar. Um berro, ou melhor, um urro vigoroso e explosivo ecoou por todo o restaurante. Não sei se ele gritou de sacanagem, ou apenas de alívio mesmo, mas gritou. O Nariz de Batata saltou em cima do Igor tentando acertá-lo na cabeça com os punhos, meio desordenado. Igor se desvencilhou com o corpo e, ainda com o zíper aberto e com o pau de fora, chutou o Batata na barriga, fazendo-o encolher todo o corpo com as mãos no estômago. Igor fechou o zíper e pegou-o pelos cabelos, esfregando no bidê sujo a cara do coitado e o seu nariz de batata. Eu fiquei meio aturdido com a cena toda, fazendo eu me distrair por alguns segundos e, voltando-me para o Cara Esburacado, ele já estava com a mão tirando algo de seu armário, pensei em ser uma arma, todavia era uma bíblia. O Esburacado arremessa a Bíblia na minha mente, tento esquivar e sinto o impacto dela no meu nariz. Beiço toma um coladão do moleque no meio dos córneos, e seu corpo dá uns dois passos pra trás. Eu pulo no corpo do homem de cara esburacado, acertando uma cabeçada no nariz do filho da puta. O sujeito fica um pouco grogue, eu levanto e dou dois bicos na barriga do desgraçado, ele ainda tenta gritar algo em nome de Jesus, mas é contido pelo meu pé na boca do seu estômago. Igor larga inconsciente o Nariz de Batata com a cara no mijo, partindo pra cima do moleque. Beiço tenta acertar um soco no cara do Maluco de Camisa Vermelha, contudo erra, levando em seguida dois chutes no joelho esquerdo. O moleque que encarava o Igor era bom no que fazia, ele era rápido. Igor tentou acertar dois cruzados na cara do garoto, mas o filho da puta esquiva e acerta um direto no rosto de Igor. Eu corro em direção ao Maluco de Camisa Vermelha e pulo com os dois pés nas costas do desgraçado. A porradaria comia solta no banheiro, os movimentos causavam vertigens; encontrões; socos; esquivas; correria; chutes; pontapés; cabeçadas; velocidade; agilidade; destreza; cruzados; ganchos. Caí de cara no chão após o chute no Camisa Vermelha. O moleque continuava trocando socos com Igor. Beiço não perdoa e chuta o rosto do Camisa Vermelha caído no chão. Igor tomba diante do moleque, mas não fica inconsciente. Ficamos perplexos com a cena, Igor era maior e mais forte. Num súbito momento de fúria Igor levanta do chão numa velocidade inimaginável e, aliado toda a sua ira insana, agarra a cabeça do moleque com toda força de seus músculos cansados. Eu fiquei sem reação com o que presenciei, ao observar o absurdo de alguém fora de si. Igor morde o nariz do moleque e puxa com extrema violência, arrancando a cartilagem da cara do infeliz. Pode se ouvir de longe o sussurro da cartilagem se rompendo e, numa agonia aterradora, o grito de dor do Moleque. Beiço ficou estático, aturdido pelo horror. O Moleque cai rodopiando e se contorcendo em dor, gritando de pavor e desespero. Com o movimento de uma patada de elefante, Igor esmaga a cabeça do garoto contra o chão, fazendo-o apagar na hora. Ficamos os três parados, estáticos, olhando para os corpos no chão, agora todos os infelizes que gritavam a pouco, jaziam no piso, inconscientes. O garoto sangrava abundantemente. Igor esticava seus membros em seus tiques incontroláveis. O palco que se formou estava horrível; o Nariz de Batata pendia desmaiado em seus joelhos com a cara no mictório; o Cara Esburacado imóvel no chão segurava o estômago com as duas mãos e se encolheu na posição fetal; o Homem de camisa Vermelha sangra um pouco pela boca e estirado no chão, abate-se entorpecido; o Moleque completava o quadro de aversão com a sua moldura de sangue golfado pelo buraco que deveria ser seu nariz. O quinto malandro que nada fez, olhou friamente para nós e comentou:
- Não ia muito mesmo com a cara destes viados. – Entrou numa cabine e se trancou. Não devíamos deixá-lo ali, acabamos de foder com tudo, a missão estava comprometida, e parando pra pensar melhor, acho que ela sempre esteve, contudo apenas me dei conta agora, vendo o rubro jorrar no chão tingindo meus sonhos de sangue.
- Vamos embora, vamos embora, agora! – Consegui murmurar após sair de meu torpor. Não obtive resposta, o que me fez gritar. – Vamos porra! – Nós três saímos correndo do banheiro em direção ao carro no estacionamento, por sorte estava tudo um pouco abandonado; ninguém nos viu sair, ninguém nos viu entrar. Estava apavorado, o medo dominou minhas entranhas, senti náusea aguda, quase me fazendo vomitar. Tive uma estranha vontade de chorar, contudo me controlei. Não era hora para amarelar, faltava pouco e tudo não passaria de lembranças da minha infame imaginação.
- O que foi que você fez, Igor? - indagou Beiço calmo e sereno. Nem pareceu que estava lá com a gente. O silêncio é a resposta de Igor. Beiço insiste. - O que foi que você fez, Igor?... – Beiço mantém a calma, enquanto Igor parece não ouvir, deveria estar viajando longe em sua raiva repentina, seu semblante era medonho. Beiço se inerva, todos estávamos muito descontrolados, ou até mesmo assustados com a nossa própria natureza, sentíamos grandes e pequenos. – Puta que pariu Igor, porra, que merda foi aquela?
- Fiz o necessário. E só não fiz pior, pois temos que entregar a encomenda. – Expôs Igor cerrando os dentes. – Eu estava profundamente abalado. As imagens de dor; agonia, aflição, humilhação, morte, sangue oscilavam sobre mim no mundo real. O pânico parecia espreitar a minha razão. Em pouco tempo a estrada nos engoliu novamente, o carro voava baixo com os faróis altos, sentia a razão voltar aos poucos, o silencio nos acomodava no banco e os olhares flutuavam em torno da paisagem morta pelo nosso próprio medo. Igor enxugava o sangue da cara com uns papéis que tinham no carro. Não havia muito que ser dito, apenas pensava em dar logo o fora deste pesadelo sinistro. Íamos passando pelas cidades em grande velocidade, não conversávamos um bom tempo de viagem, quando Beiço puxa assunto.
- Pelo menos nós saímos vivos daquela porradaria, não acham? Podia ser pior.
- Não acho que nada pode ser pior do que isso... – Afirmei.
- Seria pior se nós estivéssemos deitados naquele banheiro escroto. – Argumentou Beiço, sendo que isso eu não podia negar, seria muito pior. A estrada ia alimentando nosso espírito aventureiro. Todas as pequenas cidades de beira de estrada traziam em si uma sensação estranha de nostalgia, um passado que nunca vivi, e mesmo assim, nostálgico. Não fazia muito sentido, talvez nada nunca fez sentido, por conta disso vivia nesta piração, mas uma coisa é certa; mostre-me um homem são e eu apontarei um homem morto. As cidades iam mudando com velocidade, suas ruas estreitas e com pequenas casas iam dando lugar a um horizonte verde, ao campo e ao mato. Fiquei imaginando como seria morar nesses lugares esquecidos por deus, se me adaptaria a paz e ao silencio eterno da noite longa.

domingo, setembro 07, 2008

Cúmplices!







Quais são os sentidos das palavras
Se eu não a tenho para lhe dizer
E não a encontro para me expressar
Tudo aquilo que eu poderia ter
Tudo aquilo que eu queria lhe dar.

Minha vida segue medíocre

Minha vida às vezes vai dos trancos aos barrancos,
Não sei se subo, se desço, se falo ou me calo.
Carrego a culpa de minha solidão,
Minha pátria é minha consciência,
Sempre esperando controvérsias para entrar em guerra;
Meu deleite.

Não vou negar que já amei,
Mas vou negar que já chorei,
Por ti.

Minhas pernas são fortes, porém sem imaginação para voar por tudo o mundo. Talvez pelo simples fato de estarmos todos conectados ao mesmo sentimento de insatisfação disfarçados pelas inúmeras noites de prazeres sem fins e sem objetivo, motivo aparente, nem que fosse por um gol, ou por uma lágrima de alegria pelo simples acontecimento da vida. Por isso talvez estejamos tão vivos; o fervor do bater de um coração, nas mãos de Deus. Não consigo deixar meu país na atual conjuntura que me encontro, vitima e testemunha de uma cidade tão linda, tanto quanto seu criador a quis fazer, cercada de belezas naturais, infindáveis verdes que se espalham com a mesma facilidade de uma borboleta que beija o sulco da flor, um pássaro que nos rasga o céu sangrando de uma timidez por encontrar a lua, mesclando beleza teofânicas e terror humano, comprovando o paradoxo de Deus que nos criou rodeados de imperfeições, para que pudesse se criar à perfeição divina, consistindo em dar vida a tristeza, para logo depois, nascer à alegria, em um sentimento de vingança, fizesse se criar a justiça. Sendo vítima ou testemunha do terror emanado pelas mãos, do Homem, sujas de sangue lavada apenas pelas lagrimas escondidas pelas mesmas mãos tremulas e sujas do mesmo sangue, somos nós os prisioneiros de nossa própria criação para o subterfúgio da violenta natureza que sempre nos ameaçou; demos vida a grande sociedade humana que sem ela morreríamos e com ela nos destruiríamos. Agora nos guiamos, não apenas com nossos instintos presenteados pela natureza, de agir de acordo com nossas necessidades individuais e forma de pensar que é muitas vezes única, que através da dialética conquistaremos ou não a intelectualidade do próximo, consistindo aí, a ínfero ou a superior capacidade de inteligência, que apesar de aderir à idéia proposta, sempre se tem algo a discordar ou concordar, quase nunca se chega a uma decisão para um total de grupos sem inúmeros debates de conciliação, novas opiniões, diálogos ferreamente cansativos que exaurem a capacidade de alguns em compreender o mérito da reunião, é a sociedade que irá nos definir o espírito de sua forma de pensar, moldando formas expressivas de diferentes pontos de vistas, mas sempre não ultrapassando os limites de conduta e de o que é certo para o modo padrão de pensar, confundido os benéficos do bem estar social, com a alienação do indivíduo, que não colhendo informações suficientes, podendo contribuir para sua desenvoltura intelectual, de informações, respondendo suas necessidades únicas e que variam em todo ser humano, acabará por embarcar nos desejos e vontades alheias, coordenadas por poucos e seguidos por muitos, que guiam toda uma sociedade, muitas vezes fúteis, cabendo ao resto a mera condição de vítima e testemunha. Todos acabamos por parte deste conjunto de elementos e idéias que nos define o nosso modo de vida atual, regido pela orquestra ocasionalista, mesmo até nossos algozes do cotidiano, nos matando, levando o que nos pertence por direito, se tornam muitas vezes algozes por cansarem de serem vítimas, não que isto irá justificar os seus atos; a luta de cada um, pertence a todos nós. Os que lutam não deveriam esquecer suas origens, sendo que, em sua maioria, é a primeira se perder, deixada de lado, lembrando a insignificância dos atos de consumos vulgares que cada vez mais nos forçam a crer na importância de suas coisas. É esta a sociedade que vive, consumista, extremamente materialista, cada qual com sua capacidade de obter, por meios lícitos ou não, afinal, toda riqueza inicial provém de uns atos ilícitos, rodeados na contradição de segui-la e repudiá-la, para que suas vontades sejam aceitas e seus sonhos se concretizem, fazer sua parte de integrante desta grande forma única em que vive todo globalizado, ou um pequeno grupo de marginalizados, por esta, no mesmo instante ouvir esta forma viva de organização humana, de ser completamente independente materialmente assim como emotivamente, sozinhos, porém unidos pela solidão.
O dia traz a aurora do pensamento. Alguns que imaginavam encontrar-se em um grande torpor, já vencidos pela melancolia, surgem de volta do covil da inexistência, fincando a bandeira da imaginação, neste dia de hoje, tão límpido, com os pássaros cantando o amanhecer de uma nova rotina, as folhas chacoalhando em um vento úmido, amenizando o calor que afligem os mais idosos, mas que despertam os mais jovens para se amarem perante o sol, ou apenas ficarem, como preferirem. As praias sempre palco, cheias; pombos dividem com o público Homem as areias que rabiscadas pelos ventos dão formatos à paisagem que embora em muitos pontos do Rio possa parecer paradoxal, perplexa diante contrastes, misturando luxo e lixo, contornadas com pequenas pinceladas dramáticas de dor, na praia impera a igualdade, ninguém é mais que ninguém, a não ser o corpo. A beleza carioca também se encontra nas praças...Marcadas pelos jogos matutinos de alguns aposentados que a dividem com inúmeras crianças e seus brinquedos, logram um dialogo marcados pelos que não possuem mais energia e os que transbordam chegando a desperdiçar como loucos correndo em busca da alegria, alcançando apenas na exaustão, as praças com suas belas estátuas testemunham inúmeras alegrias matinais, sempre perscrutando o futuro e analisando o passado que um dia aqui passou, mas seguiu em frente, para não deixar o grande ciclo da vida a desejar. Diante destas mesmas estátuas, algumas repletas de vida, parecem que se movem, semeando sementes nos olhos de quem as vêem, perscrutando os relevos manchados pela idade, acharemos também as manchas de sangue deixadas pelos conflitos noturnos que tomam o lugar da paz brotada de um arfar de esperança infantil, e tristemente concluiremos que a estátua nunca se moveu ou mover-se-á, o que se move é a praça entre a paz e o inferno, causado pelas brincadeiras de crianças que concordam que a morte nunca vem e insatisfações de meninos que sabem que a morte vem a todos, a qualquer hora, em qualquer lugar, mesmo que seja só um menino.
Perto desta praça, um prédio de aspecto soturno, descansa um de nossos heróis do anonimato, que sofrem em silêncio dentro de seu apartamento, prisioneiro de seus preconceitos e sonhos em vão, que raramente se concretizam. A janela de frente para a praça, sempre o faz pensar naquele amor que ele nunca teve, talvez nunca a venha ter. Por culpa sua não posso afirmar, a certeza é uma gota no meio do oceano de probabilidades do mundo moderno, sempre correndo, sempre com pressa, sempre acontecendo e por muitas vezes nos vemos esquecidos em torno de fatos relevantes para alguns, mas que mesmo que você tente esquecer, este fato, que talvez não lhe interesse, vai fazer parte do seu cotidiano. O jornal existe para isto. Como chove hoje, na verdade nunca vi tanta chuva. Podem ser de ilusões, de mentiras, violências, melancolias e, graças ao bom Deus, doses homeopáticas de alegrias. Tenho arte nas veias, não que seja boa, mas é arte; desenhos, músicas, poesias, lembranças - conseguir lembrar as boas é arte. A arte faz-me lembrar a chuva, fria e impetuosa, mas quando se ouve acompanhado a musica de seus pingos, é uma delícia, assim como a arte que acompanhada pela imaginação, torna-se incrível. O pior é que no meio de tantos pingos, eu não tenho guarda-chuva, por conta disto, vou vivendo e me molhando em todas as gotas. Parece ser meio estupidez, mas podemos aprender com todos os pingos, aprendendo não a esquivar deles, tão pouco ignorá-los, sendo este ainda mais difícil, podemos é achar respostas fazendo com que os pingos se evaporem. Hoje me encontro assim, molhado mais que nunca, esperando me secar. Cada vez mais a chuva vai aumentando. Mas das gotas que vou contar hoje, não são todas, mas serão muitas. E haja guarda-chuva.
Debruçado pensante amargo pela espera dela, seu amor do dia, ou pelo menos sexual, vem contemplando sobre suas escolhas que o levaram a solidão de espírito. Apesar desta alma ser faminta por um gozo amoroso e não puramente carnal, seu romantismo adormece no leito das putas, tão solitário quanto ele, mas que para ela tinha a desculpa e o fardo do trabalho escolhido, desta vida viciante, de drogas, festas. Há putas que se drogam para se prostituir, outras se prostituem para se drogarem. Mas o que não dizem o chicote das línguas, é que muitas vezes quem se vicia é o cliente, não muitas vezes na mesma garota, mas no nervosismo, de muitas vezes, a encontrá-la, no sexo fácil, a luxúria, na saudade de um amor nunca reencontrado, ou até mesmo aqui, como nosso herói viciado nas promiscuidades de um sexo sujo, sem contatos mais profundos, apenas superficiais. O que vicia são os sentimentos.
Súbito de interrupto, abrupta um som ecoando pelos corredores por demais silenciosos, uma porta se fechando timidamente, para dar lugar a passos ainda mais tímidos, meio perdido diante das oito portas iguais, tornando todos os andares ainda mais iguais, evidenciando que, apesar de estarmos em Copacabana, não se trata de um prédio luxuoso, apenas mais um -------------, o que evidencia a pouca renda do nosso protagonista, que a partir de agora chamaremos de João Cabeça, vulgarmente chamado. Os andares que não cessam fora de seu apartamento, dão lugar a sobriedade do momento de distração que ficou na praça e as crianças crescendo sem perceber que elas não são as únicas que crescem, ou envelhecem. Meio que de susto, João vasculha seus pensamentos imaginando como seria sua amada de hoje, seus seios, bunda, quadris, o olhar era importante, seria ali que, talvez, ela demonstrasse se o prazer era real ou mais uma ficção da realidade, contida no arfar da sábia ignorância de não se entregar a alguém, o que tornava mais real e intenso seu prazer. Apesar de não conhecê-la, tão pouco chegar a vê-la, este homem ama as mulheres e ama ainda mais satisfazê-las sexualmente, uma de suas principais taras, o que não chega a ser tão repulsivo, mesmo que ele tenha que pagar para isto.
Estava tudo pronto para a manhã nupcial em que havia lhe dado o prazer de reservar, depois de tanto tempo melancólico pela sua condição de solidão em que se aprisionou. A cama era macia, um dos melhores cômodos da casa, talvez o único que prestava, até mesmo a mesa de madeira que ele ostentava com tanto orgulho ao lado da porta de entrada, para onde agora se dirigia apressadamente, deixando o medo dominar sua pressa. Não confunda aqui o medo com o pavor, palavras totalmente distintas se formos encaixá-las no cotidiano carioca. Aqui o medo abraça de forma relutante o coração de João, esperando o desconhecido que fatalmente estar por vir, sendo por conta disto o suspiro da excitação. Em cima da mesa, de tanto valor estimativo, afinal fora um presente de algum ente querido, que agora não daremos importância, descansa algumas roupas que a empregada deixou ali após lavar e ao seu encargo ficou de guardá-las, mas, não só o comodismo, outras vontades são mais prioridades do que um punhado de roupas a borda da mesa, ficando então ali, durante alguns dias, até o dia em que ele vestirá, só para tirá-las da sala. Atrás da mesa, descansa uma pequenina biblioteca, na verdade, poderia dizer, ser apenas uns emaranhados de livros, empoeirados, alguns recentes recebidos em uma promoção de jornal e outros comprados em sebos, o que nunca faltará em Copa. Ofegante, mas tranqüilo, João calmamente destranca suas duas presilhas que prende sua porta além da chave, é muito comum num bairro imprevisível, este tipo de cuidado, pois apesar de ser herói, nos dias de hoje, ninguém é de aço, muito menos João, agora avistando sua amada que procurando dentre as inúmeras portas o número oitocentos e um. Perdida se depara com a porta semi aberta, possibilitando esmiuçar entre a fenda e o facho de luz que ilumina o corredor, o rosto um pouco tímido de João, que ao vê-la, após um breve silêncio, sussurra em voz grave - Babi? – Bem, você que deve ser o João? – Normalmente sim, você me parece estar um pouco perdida, quer se encontrar aqui dentro? – Que gracinha, to louquinha para me encontrar, com licença. Com passos curtos, entretanto decididos, a casa de João se torna menor do que realmente é, deixando os desejos latentes nos poros já suados pelo próprio desejo, mas ainda mais pela inquietação do inevitável e imprevisível gozo. Os olhos de Babi fitam momentaneamente o apartamento de João, criando uma expectativa inútil de adentrar e encontrar inúmeros móveis de alta qualidade e caros, contudo o melhor que podemos lembrar que existe neste confortável cômodo, é a valorizada cama e a superestimada mesa. A janela, ainda arejando o ambiente, através de suaves brisas que adentram por suas esmiuçadas aberturas, trazendo com sigo o amenizar do ambiente, são interrompidas pelo violento fechar das espessas cortinas, sendo agora a sala úmida, escura, invadida apenas pela luz rastejante, fugindo do cômodo ao lado, tentando sobreviver a momentânea noite. Penumbras fitam a sombra da maldade que espreitam no âmago espírito de João, onde sua culpa e seu êxtase vigoram na dualidade de suas ações – Serei eu um pecador? Ou apenas mais um enlouquecido nesta maldita cidade, todos vendidos pela glória do seu trabalho menosprezado, bem, de qualquer forma poderei mais tarde me santificar anulando meus pecados com algumas ações boas, podendo ainda correr o risco de ser salvo, ainda desconheço a salvação. Caminhando até a borda da estante, habitante no meio da sala, perto do corredor que separa a metade da casa, sempre encarando a prostituta de modo natural, como uma convidada, escolhe dentre alguns inúmeros cds, com os vinis misturados ao chão, aquele que em seu mundo talvez fosse o mais indicado deixando na verdade, um clima melancólico para nós expectadores, mas bastante confortável para Babi, sempre esperando como uma hipótese alguma fantasia doentia, ou até mesmo algum espancamento masoquista. “Eu quis amar, mas tive medo, e quis salvar meu coração, mas o amor sabe o segredo, o medo pode matar o seu coração, água de beber, água de beber camara”. Os versos da musica enfeitando o coração dos românticos são aqui friamente absorvidos pelo coração de João Cabeça, que sempre sofreu em silêncio, assim como muitos sofrem sem ao menos saberem por que? Babi, no entanto começou a ficar mais à vontade, prosseguiu com alguns ainda tímidos passos, largando sua bolsa vazia encostada diante de uma das cadeiras a borda da mesa. O que estamos descobrindo, e o que está longe de passar pela consciência do João Cabeça são com que facilidade Babi resolveu carregar este fardo de se prostituir em busca de glamour, talvez a felicidade, a maldição do vício do sexo ou da própria droga, enquanto que o próprio João se vê perdido em seu mundo de culturas, honestidade, estudos, políticas e as mazelas da solidão de um amor intangível buscando refúgio no sexo não gratuito. Daí surge o desconforto da culpa, mas não menos prazeroso do que um simples orgasmo. Por conta de seus temores e inquietações, surge tingindo o desejo a timidez aconchegada pela autocrítica, insegurança e o silêncio desconfortável rondando todo o cômodo, espreitando os grãos de areia que se tornou o ego deste triste coitado. Acostumada com os inúmeros modos do sexo, nas maiores variedades possíveis, no entanto, não esperava deparar-se com tal peculiaridade. Dispensando a timidez, o que certamente não é o grande desafio para Babi, este pequeno caso notório de travar a personalidade diante da possibilidade do sexo pode ser muito comum em jovens virgens adolescentes, mas não com um homem bem resolvido nos assuntos profissionais, não como João que apesar de não ser um homem de grandes proporções financeiras é extremamente capaz de levantar seus sustentos diante do caos econômico que impera no imenso Brazil – Foi algo que eu não disse? – Aproximando-se cada vez mais, a garota agora um toque suave, de leve um carinho no rosto tenso, acrescentou uma gota no imenso mar de insegurança, deixando-o trêmulo, ansioso por um beijo João a afasta com um leve, porém, empurrão – Você não gostaria antes de beber alguma coisa, tenho várias bebidas de cervejinha a um vinho, mas só tinto – Ai, você me desculpa João, mas eu não estou acostumada a beber logo de manhã, fica muito pesado pra mim, porque você sabe né? – Temos que concordar que para certas pessoas, será à noite em que o dia fica mais forte – Entendo perfeitamente, ainda mais em uma quarta-feira como esta, ensolarado, cheio de vida, resvalando na noite, pois se o dia é lindo, incentiva à noite. Entretanto, me dá licença, eu curto muito um vinho para me aumentar àquela minha alegria de momento. Os copos e a garrafa estavam já na mesma estante em que sustenta o som, com certo ar de estabanado prepara um copo e o sorve em um único gole, refletindo em um sorriso acanhado de Babi – O que foi um gole, logo se tornou em inúmeros, e os contidos movimentos, quase que tímidos, de João tornou-se um impulso insano pelo sexo. O desejo latente pela conjunção carnal crescia incontrolavelmente, a saudade das curvas de uma mulher já o enlouquecera algumas vezes, com o vinho ficou ainda maior As posições variavam ao seu gosto, tornou-se outra pessoa. Só podia ser assim quando se apaixonava, era uma conduta típica sua. Não há barreiras para a paixão, nem para um eterno apaixonado que se joga ao abismo em nome de seu amor, nem para um bêbado incontrolável como João.
Os olhos já clamejavam pelo fogo de sua carne, que consumia todo ar, dando uma pequena impressão de ofegante. O amor era intangível. Ardia inclemente ao peito de João, com nódoas de melancolia, pois sabia que seria o último beijo, último toque, último olhar e arfar de esperança. Tanto era sua vontade que se perdia aos lábios de Babi, parecia labirinto asfaltado pelo medo do desejo que abrupta na forma de um beijo seco e inacabado. As pernas o sufocavam com força em torno de seu ventre, arrancando-lhe carícias incontroláveis que pulsam ferozmente nas veias de um sonho amargo, mas o doce é preenchido pelos murmúrios femininos que ecoavam por todo apartamento. A cama se contorcia a cada dança bêbada de dois corpos se amando, ou violentando, entre trocas de olhares secos iluminando cada gotícula de suor que brotava nos rostos cansados. O transito regia uma música assustadora e trêmula caindo impiedosamente por toda o ambiente. Atrás de um pequeno cômodo, observava de longe sob as sombras de cortinas espessas, uma figura assombrosa, conhecida recentemente, apesar deste fantasma, comum a todos os fantasmas, não poder fazer mais nada, apenas amaldiçoar em névoas de uma visão, estava estática a sua frente observando, julgando bem ao fundo dos olhos de João. Em sua face toda a sua hostilidade, as marcas do que sofrera. Todo horror que temia, neste momento havia se tornada realidade, o seu algoz havia lhe encontrado. Abruptamente se desfaz do amor que lhe pesa ao peito usando de força a vontade de sua sobrevivência, jogando-a de encontro ao tapete, já empoeirada pelo suor. Equilibrado sobre seus dois pés gira o corpo em busca de sua sanidade perdida pelo pavor de encarar sua própria morte. No seu total desespero suas mãos socam o ar em busca de segurança, Babi fica ao tapete olhando atônita o que se sucedera, sem acreditar, assustada, porém – O que aconteceu...Meu amor... - João pareceu que ficara surdo, observava apenas a cortina vazia, havia descoberto algo, uma visão inesperada comovendo-lhe os sentidos, o pavor substituiu o tesão, lembrara do acidente da noite passada, o que se sucedera ao individuo que agora voltou para lhe atormentar, João retornou à cama e adormeceu.

quinta-feira, agosto 21, 2008

Todo Mundo Pro Chão.








O dia seguinte correu livremente como já havia planejado Beto; a corridinha na orla, assistido alguns filmes, lido outros mais livros, deixando para trás o desconfortável e inevitável ócio da greve. A mente trabalha de forma mais convicta e não se aventura por pensamentos sem nenhuma importância, quando os atos ocupados para adormecer o ócio serão praticados conforme foram esquematizados. Já perceberam como acabamos por nos adaptar com certos fatos, esperando ociosamente ansioso que eles mudem, sem ao menos nos ocupar com outros assuntos, na verdade queremos que alguém tome conta desses assuntos do ócio, culpando os acontecimentos como criadores do marasmo em que nos encontramos, enquanto que na verdade o que devemos fazer é assassinar a ociosidade como for possível, assim como agiu Beto, estudando e se ocupando com a vida. Em todo caso, por conta de seus afazeres, o brilhante estudante de Ciências Sociais nem se quer viu o tempo passar, quando saiu do banho, lá pelas seis horas, lembrou-se de ir ver o amigo na Cobal do Humaitá. Não deu tempo para mais nada, pegou algumas tralhas, os seus fardos da humanidade tecnológica, celular, carteira com documentos, chaves do carro e saiu saindo, afinal, estava em Copa e o trânsito podia não ser dos melhores.
Não levou muito tempo e já havia parado sem saber ao menos por quê, só suposições. Graças ao bom Deus, que Deus se tenha, o transito, de início, estava cântico, suave e sereno, nem parecia o bom e velho Rio de Janeiro, mas, tanto que por azar, apareceu a blitz, falsa e verídica, fazendo por se estender em seu caminho, trazendo aquele velho desconforto já conhecido do povo carioca, e, Beto, pardo do jeito que é – Encosta, encosta aí! – Acostumado com os procedimentos enraizados na sua conduta civil, deixou clarear seus faróis e de leve ultrapassou uns emaranhados de cones, o jovem de aparência suave e feições sérias, aterrissou com uma breve distância do último cone o seu carro popular, porém suficientemente em condições para outro automóvel anexar ao seu lado – Os documentos do carro e de motorista, faz favor! - O olhar de serenidade confiança em que Beto observou os policiais foi respondido por um olhar de fúria contida, suprida no reflexo de seus olhos no coldre dos policiais – Ta aqui os documentos tudo em ordem; IPVA, documento do carro e minha carteira de habilitação, pode olhar! – Com mero desdém, o cabo Orlando caminha em volta do carro, observa alguns adesivos – OK! Pode descer do carro! – Os comandos prosseguem – O porta-malas carrega alguma coisa? – Não, talvez uma cadeira de praia – Ótimo, pode abrir – No mesmo instante algo de intrigante acontece. Logo quando passava alguns carros, encosta um outro, com os vidros totalmente negros, ao lado do pequeno carro popular de Beto que de longe observava o carro sendo revistado, quando de repente, mais que de repente, os vidros negros se abaixam e começa a ricochetar para todos os lados possíveis, inclusive para o lado do estudante que em um suspiro de reflexo, joga-se milagrosamente ao chão em busca de uma segurança momentânea. As quatro portas do automóvel que havia estacionado ao seu lado se abrem liberando todo seu caos urbano. Cinco homens armados de metralhadoras e roupas civis saem atirando em direção aos, já agora, supostos policiais, que até agora aturdidos pelos tiros, jazem mortos ao chão, sobrando rastros de violência, o deserto num segundo e Beto noutro ao chão. Alguns espectadores observavam, tudo e todos, atônitos com apropria realidade, cada vez mais ficção. Ainda catatônico o pequeno protagonista observa com o rabo de olho quem caíra, não menosprezando aqueles que ficaram de pé. Mais uma vez o instinto de sua conduta humana desperta enraizada, como dito anteriormente, falando em nome de sua pessoa - PODEM LEVAR O CARRO! AS CHAVES ESTÃO NA IGNIÇÃO – O homem com roupas civis e armas militares puxa de seu cinto um pequeno comunicador e com o mesmo, perto a boca, cochicha algo, para logo depois se dirigir até a presença vergonhosa da mais nova vítima de desgraça alheia, carioca. Tão pouca aquela situação terminara, havia feito suas preces para que diante daquelas circunstancias saísse vivo dali, sem um único arranhão sequer – Calma garoto, está tudo bem agora, já pode se levantar – A mão direita estendida em direção ao jovem ao chão, parecia piedosa, cheio de ternura, apesar do fuzil contraditória empunhado em sua mão esquerda – Esses homens eram traficantes perigosos, estávamos em uma operação sigilosa para prender esses criminosos, mas já foram abatidos, já pode se levantar, fique calmo! – Apesar das palavras saírem altas e claras proferidas pelo homem que se dizia policial, aos ouvidos de Beto, foram meros balbuciar, palavras turvas pelo medo de outro combate iminente. Um pouco aturdido pela cena dramática de mortes surpresas, jamais visualizadas pelo estudante, sendo que, uma coisa é um cadáver na aula de anatomia da faculdade, outra, é a morte assassina que lhe remata os olhos de repente sem aviso – O que? – Foram às únicas palavras que surtaram tranqüila no palco do horror – Foi os que eu disse garoto, somos policiais civis, fique calmo, agora já passou, espere um minuto, os documentos, por favor – Beto não acreditou nas palavras do policial, ficou atônito, mas o medo era pavor, resvalando em um gesto rápido e único, que ao puxar a carteira, cai de seu bolso um pequeno pedaço de seda, que por sorte o policial não viu, pois mais um transtorno surgiria, como irá surgir futuramente – Está aqui, tudo aqui, pode ver, não estava com estes caras – Fique tranqüilo garoto, é só procedimento de rotina. Mas mesmo assim vamos ter que revistá-lo – Não leva muito tempo e Beto é liberado, não quiseram levá-lo para depor, nem tão constar seu nome e suas iniciais, ou qualquer outro tipo de identificação nos autos, apenas disseram – Vá para casa garoto não há nada para você aqui, você já viu demais! – O tom enérgico e imperativo não fez Beto contestar um ai, apenas dirigiu-se ao carro e saiu saindo mais uma vez. Ninguém em sua sã consciência responderia – Mas calma aí, eu sou uma testemunha ocular, vocês não vão querer meu depoimento? E o inquérito dos fatos e acontecimentos, o relatório do flagrante? O que irá suceder-se depois? Não querem que eu vá a delegacia? – Tais argumentos fariam com que qualquer pessoa seja confundida com algum bandido, ou uma perda civil por mais uma bala perdida, o que acontece todo dia nesta cidade, para justificar o seu falecimento. Um pensamento como, “eles devem ter os seus motivos” ou “a corrupção é triste neste país”, ainda mais, “quem é quem nesta cidade? Pouco importa, eu vou é dar o fora daqui!” São alguns dos pensamentos que se passaram diante da aterrorizada mente deste jovem rapaz, que antes de sair de casa, mal sabia ele que ia se deparar com tamanha barbárie.
Por mais que saibamos pelos jornais de que como se encontra violenta a guerra urbana em nossas cidades, nunca achamos que irá bater em nossas portas, vivemos nossa vida aos esmos, felizes sem se dar conta, da violência que cresce e envelhece junto com agente. Acontece que o nosso amigo aqui, o Beto, já sabe disto, mas decidiu viver sua vida longe destes por menores, apenas quer ser mais um ser economicamente ativo sem ter que se preocupar com as mazelas urbanas, ou melhor, humanas. Não podemos esquecer nosso outro protagonista, Rodrigo Santos, que agora já impaciente pela espera, que nunca finda, não apenas por seu amigo, mas terminar logo com este seu sofrimento amoroso em que se viu terminado, mas que a Lê talvez ainda não saiba, conta o tempo e os ponteiros que agora jazem em uma hora de atraso, junto com alguns copos de chope, que não foram o suficiente para alterar o estado deste grande boêmio, mas serviram pelo menos, a pequena alteração de humor, ao invés da grande melancolia e chateação da demora, serviu de piadas infames e críticas irônicas para os pequenos personagens da vida cotidiana que estão por ali a desfilar, a Cobal sempre foi palco de inúmeros encontros e flertes, sem dispensar as comemorações infindas que circundam pela boate de músicos ao vivo – Engraçados aqueles caras, veja só como ele cambaleia quando anda, parece um João Bobo, ele parece que fica parado no lugar de tanto que vai e volta, pobre coitado. O amigo dele nem para carregá-lo ou algo do tipo, está ali mais pela gozação do amigo, de certo é um palhaço. Está certo que já cai algumas vezes, mas sempre em lugares propícios, como em shows e afins – Muito interessante os comentários. Mais interessante é constatar, justos são os calados de almas e espíritos, pois nem a Deus criticam o próximo, apenas deixa existir o mínimo de autocrítica. Esperar de si mesmo é melhor que cobrar incessantemente do individuo ao lado. De certo quando bate o tédio e estamos sozinhos, quando chega a exaustão da autocrítica, nasce o julgamento criticastro, todos que passam é algum motivo de crítica, “olha aquela mulher, tem o nariz estranho” . Não obstante, Rodrigo, também serve para seus vizinhos anônimos ser palco de observações, como, “olha aquele pobre coitado, tomou um bolo da namorada”, ou ainda, para os mais imaginativos, “o que será que aquele cara ta fazendo ali até agora? Faz tempo que está ali. Só reparando em todos e a tudo. Pode ser que ele está esperando alguém. Mas está taciturno, obscuro. De repente ele é um policial disfarçado. É melhor esconder minha maconha”. Somos sempre alvo, mas ninguém percebe, ou finge não perceber.
Quando Rodrigo já havia esquecido o que foi fazer ali, olhando um belo par de bundas que passava pelo local, chega esbaforido, meio ser ar, mas arfando como se o ar fosse capitalizado, e este fosse um homem muito rico querendo demonstrar seu poder de compra, esbravejando ao meio de soluços, quase chorando, um pique olímpico de invejar os maiores atletas, o estudante de Ciências Sociais Beto que agora pouco passara por uma experiência muito educativa nas trincheiras asfaltadas em uma área nobre do Rio – Meu Deus! Puta Que Pariu! Cara você não acreditaria se eu dissesse, mas em todo caso, aconteceu comigo uma história, diria mais, um fato extraordinário e não sei como sobrevivi – o peito esguio de Beto debatia-se de forma desesperado, cheio de esperança por novos ares, literalmente, algum médico que passasse por ali levantaria óbvias suspeitas, não levaria muito tempo para dizer, “dêem espaço para este rapaz respirar, ele precisa um pouco de ar.

terça-feira, agosto 12, 2008

Paladar Agônico.






Pérola,
Perto do seu olhar,
Minhas palavras se perdem em sons.
As letras
E expressões
Tem todo um novo significado em sua boca.
Seus sentidos não chegam a ser sentidos,
E todo amor não pode ser traduzido em uma simples Te Amo;
é o paradoxo de uma agonia no paladar de um beijo eterno.
Sinto você no meu corpo em cada segundo distante,
E a proximidade da razão, torna-se uma remota lembrança.
Preciso do seu afago,
Do calor do seu sexo,
Do despudor e a devassidão que nos eternizam dia e noite.
A mente voa enquanto embalo nossas lembranças,
A semana é insuportável...
Lenta em demasia, ou
Breve de mais;
É tudo ao mesmo tempo,
Não entendo.
Queria poder entender pra escrever tudo que sinto,
Mas me perco nas vãs palavras e em seus sentidos longínquos.
Aspiro ir além daquilo que poderia explicar tanta beleza,
Entretanto
Me sinto cada vez mais distante.
Amo-te.

segunda-feira, agosto 04, 2008

A Pérola; A Ostra E A Insólita Concha.









O sol doce na boca dos inquietos,
Chispam no reflexo das águas deslustradas
Pela consternação.
Vejo queimar suas flamas num mar de terra infirme.
Em sua crosta,
Limo;
Escorregadio,
Traiçoeiro nas rochosas montanhas no limiar da razão,
Um passo em falso e,
Sem sentidos do ser,
A idoneidade pode ser insuportável.
As pedras me cobriam e soterravam com tamanha volúpia,
Que a atmosfera criada
Aprisiona-me numa claustrofóbica existência
Junto ao meu íntimo,
Calado no preconceito;
Das formas delatoras;
Do repúdio;
De calor e
Prisioneiro do desejo que me esquece a carne.
E desta carne a guerra adentra o coração.
Não havia como fugir.
A música me aterrava os punhos
E cerrava os olhos,
Buscando nas minúcias lhe encontrar.
Contudo,
Dominou-me a aversão.
Cada nota de esperança,
Sorvida por um beijo sem paixão,
Tornava-se o desperdício.
Virei intérprete.
Atuava em vão em vã consciência.
Das rochas perpetrei meu organismo.
Fechado na escuridão,
Fiz-me ostra de uma insólita concha
Ainda que oculto,
Vivendo em rascunhos adormecidos,
O fulgor estala numa intrépida transposição,
Onde a Pérola iluminou de sobressalto
Todo o organismo destas rochosas viscosidades,
Uma razão firme,
Genial;
O amor é mais
Do que a razão pode conceber
Nada pude evitar,
A não ser me render
De corpo
A cada pedra
Num breve suspiro de amor.
A Pérola enriquece
A insólita Ostra.
Arranco-lhe a boca num chupão,
Hausto sua viscosidade num tenro vinho de gozo.
Rubro,
Tal qual o sangue,
Jorrado pelo descontrole.
Refiz minha concupiscência.
Volver a pérola tornou-se um capricho,
A extensão dos presentes
O único dos brindes que completa a pessoa que arde no íntimo.
A boceta me cala ao me colar a boca;
E me faz urrar o incompreensivo.
Tremo os poros do desejo,
Mordendo os lábios; Aperto a bunda.
As pálpebras se fecham inconscientemente.
Sinto a dor como um prazer homérico,
E nas nuvens de um escuro sentido,
Morro em milhões de pedaços
Num segundo de explosão,
Que se perpetua.
Afogado pelo prazer,
Abraço-lhe firme num sorriso aliviado,
Suspiro aéreo em vôos distantes,
A mente vaga.
O amor louco que todos fogem,
Em mim traz a razão de ser.

Lobato Dumond.

sexta-feira, julho 25, 2008

Terno e Gravata Das Bermudas.



O sol brilha em pleno inverno num calor de 28 graus amenos, porém quente. Ligo para o Cartório De Contas E Registros.

Pode entrar de bermuda...?
Só não pode entrar sem camisa, o resto tudo pode. – palavras dela.

Que bom, ainda há esperança.

segunda-feira, julho 21, 2008

Olhos Verdes.








Estes olhos verdes
Embutidos num sorriso de chumbo,
Despertando o que há de melhor
Nos reflexos de minhas pálpebras
Negras, cheias de dúvidas e certezas incertas.
Sou na verdade
Apenas um espelho do ser humano mais ofuscante
Deste astro circundante
Tão cheio de luzes

Meu mundo agora é verde
Da cor dos seus olhos,
Da cor da esperança
Cheios de vida incógnitas
Uma dor que nunca se apagará
Ou um rascunho que não vira arte
Fica vazia,
Apenas no rabisco do papel ou na mente
E tudo que é isto
Move meu mundo

A gota de uma lágrima
Esverdeada pelas retinas sorridentes
Emergida da felicidade
Umedeceu meu coração
De lá,
Brotou todo meu amor.
Nem todas poesias do mundo,
Nenhum poeta,
Tão pouco os maiores dos loucos
Junto aqueles dos mais incompreendidos
Saberia exprimir a beleza do meu amor

Aaa...As rosas...
Se pudessem teriam seu glamour,
Não só o seu perfume
Tentariam, se pudesse,
Fingir ser da cor de suas retinas

Meu amor é abstrato,
Não é concreto,
Assim suas proporções
São absurdamente tão absurdas,
Não podendo defini-las.

sexta-feira, julho 11, 2008

Imagens Ocultas.







A planície nem sempre nos mostra seus esconderijos,
Através do tempo aprendemos enxergar as minúcias da terra.
Correr a esmo não nos leva à lugar algum,
Contudo, de certo,
É divertido.
Não adianta se esconder ante ao abismo que nos cerca,
A brisa vindo de sua boca negra,
Emergindo de lugar nenhum,
Apenas de uma larga cratera,
Arrasta nossos devaneios
Deixando sepultar a razão.
A saída é voar,
Não cair nesta fenda;
Ruir a fantasia.
E sim dissipar-se dentro dela;
Flutue a realidade.
Descobrir seus segredos mais íntimos e ditar ao tempo o que somos
Seguindo o fluxo de nossa singular estrada.
O tempo transforma tal qual o fogo,
Deixando as cinzas e vestígios se alimentarem da história de cada um.
A carne perece,
O sangue coagula,
Os ossos se esfarelam
E a pele apodrece,
No entanto nada impede o íntimo de seguir suas faces.
O entusiasmo criador muitas vezes se perde na boca,
Sem perceber que das inspirações se erguem nações
Junto aos sensíveis mais fortes.
Deixem a mente vagar em busca de seus esconderijos,
Assim desnudando cada película de imagem.
Iluminando todo seu ser.

sexta-feira, junho 27, 2008

Sem Moedas.






Faltava pouco para a hora exata do Ônibus que me levaria de volta ao Rio de Janeiro. Coloquei no chão minha mala e fiquei olhando o movimento urbano insano. Havia certo odor de queimado no ar, como se ali perto alguém queimasse um pouco de lixo. Não chegava a feder, mas era um odor forte, dava pra fazer uma careta. A rodoviária estava lotada de transeuntes, muitos com a casa nas mãos; caixas, caixotes, embrulhos, malas e mais pacotes, eram coisas que não acabavam mais. Simplesmente meu dinheiro acabara. Não sobrara nada pra contar porra nenhuma. Bem provável que o mesmo acontecera com aquelas pessoas. Fodidas sem ter pra onde ir, jogados pela sorte de suas fantasias. Num súbito instante, o odor de queimado é tragado por um inesperado perfume de chuva. Não demorou muito pra água começar a alagar os céus, era uma torrente assustadora; de certo meu ônibus iria atrasar. A água inundava o asfalto, afogando minhas expectativas de sair dali tão cedo.
- Oi Moço, com licença... - Não percebi este cara se aproximando. Seus olhos eram tristonhos, cheios de mágoas e transtornos, assim como a chuva, transbordava a aflição na forma de uma tempestade, fortalecida num vento seco e frio pela pena de si mesmo.
- Claro. Algum problema? - Sua fisionomia era o sofrimento embutido num rosto mulato.
-... É que eu venho de muito longe... - Seus braços eram magros, com algumas feridas. Vestia uma camisa folgada de abotoar junto à calça jeans maltratada, assim como a própria presença deste infeliz. Pelo menos era a única coisa que ele passava; infelicidade. -... Meu pai acabou de morrer, teve um infarto fulminante. Tava no banho. Eu tenho dois filhos pra cuidar e minha mulher ta com o meu veio na geladeira, só me esperando pra enterrar o coitado... - Seus olhos esbugalhados, não sei como, ficavam cada vez mais arregalados conforme falava. -... Meus meninos também estão me esperando e eu tenho que voltar pra casa. O senhor não tem como me ajudar a pagar a passagem? - Claro que a história me comoveu, ainda mais contado por um pobre fodido como aquele. Infelizmente, em todos os sentidos, me veio à lembrança de outra história bastante parecida. Eu estava na rodoviária no Rio pra uma viagem e me surge um carinha contando uma historia bem parecida com esta, querendo dinheiro pra passagem. Eu dei o dinheiro pro cara, e segui meu destino. Quando eu volto depois de duas semanas, o mesmo carinha me pediu dinheiro contando a mesma historia. Eu apenas ri e disse; cara, você já me contou esta merda, não lembra? Ele me reconheceu e olhou assustado. Seguiu seu rumo olhando de soslaio, meio tropeçando em seu medo alimentado pela imaginação. Voltei ao presente com aquele pobre infeliz me encarando, esperando sua resposta. - Cara, eu não tenho um puto sequer... - E não tinha realmente, todavia isso não pareceu verdade, ou pelo menos o rapaz não acreditou em minhas sinceras palavras. Seus olhos que estavam pidonhos, cheios de lágrimas de esperança, tornaram-se frios e secos. Fechou a cara e não disse mais nada, começou a andar sem olhar pra trás, como se eu nunca estivesse estado ali, ou existido de fato. Acharia tudo muito triste se não fosse cômico. Logo estava pedindo dinheiro a outro transeunte. Senti uma leve fisgada no estômago, ao ver uma menina passar com um sanduíche, estava deliciosamente suculento. A cada mordida o recheio transbordava, escorrendo pelos dedos e a boca mastigava lentamente, deixando um pouco do molho peregrinar pelo queixo. A mãe segurava a mão da filha sem se importar com a meleca toda, tive vontade de arrancar o sanduíche da mão da criança e sair correndo, contudo me contive em minhas amarras sociais, não cheguei neste ponto ainda. Cada individuo fazia de si parecer um universo em particular; dois caras passaram por mim sem camisa ostentando umas tatuagens com mulheres abrindo suas bocetas no rosto de quem olha pra tatoo; Uma ninfeta passa por mim rebolando seu lindo rabo, devia ter seus dezesseis anos. Ela segue conversando com uma amiga rumo ao ônibus; um motorista deixa o carro na rua e sai correndo devido a chuva avassaladora, chegando ao lugar coberto, já esta todo ensopado resmungando alto. O motor ronca alto, então vejo meu ônibus encostando-se à plataforma indicada. Pego minha mala e fico aguardando a hora para adentrar e sentar em meu assento. O motorista fica do lado da porta dianteira, olhando-me de soslaio com um olhar obtuso. Este homem possuía uma face estranha, parecia um abutre cheira cu, um ar de nojo lhe preenchia o ser que me apresentava. Entrego minha passagem em mãos deste Abutre em repulsa e, sem deixar de prestar atenção aquela peculiar caveira, dou o primeiro passo na escada que sobe o ônibus. Abruptamente minha mala é arrancada com violência dos meus braços, uma mão segura na gola da minha camisa social e me joga ao chão de forma estúpida, e sem entender fico por terra. Senti-me fraco e humilhado. A voz gritava furibunda.
- Onde pensa que vai? - Era uma voz personificada grave.
- Como assim? Eu acabei de dar pro Senhor a passagem. - Retruquei injuriado. Foi então que percebi dois policiais me erguendo do chão com brutalidade por ambos os braços. Um já estava revirando minha mala buscando algo de ilícito, jogando tudo a esmo, enquanto o outro colocava o dedo fedorento na minha cara.
- Nós estamos de olho em você há muito tempo rapazinho, esgueirando-se pelas vielas da multidão, sempre fugindo das verdades e da razão de ser...
- Mas do que porra você está falando?
- Olha a boca meu rapaz - Outro policial me encosta ao ônibus com o dedo em riste.
- Você sabe do que estou falando, seu vermezinho do imundo, sempre se aproveitando das fraquezas do sistema para fortalecer suas atitudes vis. - Minha mala já estava vazia com as roupas jogadas por todo o lado. De repente, mais que de repente, o policial se levanta afoito e esbaforido, sorrindo aliviado por encontrar algo.
- Veja Sargento, achei alguma coisa. - Era um baseado que havia guardado pra mais tarde, sabe como são as coisas. O fino já estava confeccionado e dentro de um pequeno saquinho plástico, destes que vem no maço de cigarros.
- Mas o que diabos... - Logo um safanão me corta o ouvido. Fico ouvindo estrelas e sinto arder a face. Coloco a mão em cima de minha pele avermelhada. A raiva também já me fere os sentidos.
- Seu filho de uma puta, escondendo o jogo desde o princípio, seu traficante de merda! - O ódio germina nos olhos do sargento, enquanto a multidão se formava ao nosso redor. Estava montado o teatro, e me senti o protagonista.
- Senhor, isso é só um fininho pra consumo próprio, não pretendo vender...
- Você é pior que o traficante, você alimenta esta merda toda, a desgraça que consome o país é sua culpa! - Algumas pessoas se mostraram satisfeitas pela atitude do sargento, outras, porém, viram-se ofendidas em seu íntimo, um excesso sem necessidade.
- Eu não sou pior, nem melhor que ninguém, cada um consome... - Outro tapa me zuniu aos ouvidos. Sinto o rosto queimando e inchar.
- Vocês são a desgraça, sem sentido e sem valor, não prestam nem pra trabalho comunitário... - Nisso recebo um soco na boca do estômago. Caio com a mão na barriga e me encolho entre as pernas.
- É só um digestivo, porra! - Grito impulsionado pela exaltação.
- E ainda quer falar alguma coisa? - Sinto um chute no meu joelho e caio de lado ao chão. O outro policial se afasta juntando minhas roupas e colocando na mala. Estas pequenas ações tiram a atenção do sargento, fazendo-o olhar para o outro lado. Eu o agarro pelos pés, derrubando-o sem jeito por conta de sua enorme pança. O sargento ainda tenta agarrar meus braços, mas eu me desvencilho e consigo alcançar sua arma em seu coldre. Levanto rapidamente com a arma em punho, destravo-a e aponto para o policial que corria em nossa direção. O tumulto se torna um grande alvoroço. As pessoas que observavam quietas e sem reação, correram desesperadas buscando proteção.
- Para aí seu filho da puta! – Grito feroz – Sabe o que falta nesta porra? Diálogo seus merdas! Diálogo! É isso e acabou? Seu gordo escroto, você não gosta da cachacinha, não faz sua sujeira cobrando cervejinha? Eu gosto de um doisinho. E você também é um puta hipócrita, vive chafurdando na merda que nem um porco e quer ser juiz de alguém? – Nisso bico a cara do sargento. Ele chora. Nisso, bico de novo. Ele cospe um dente e fica gemendo. Neste meio tempo ele faz uma careta, como reprimindo algo que alguém faria atrás de mim. Decido então atirar na cara do Gordo escroto. O sangue dele explode por todo o canto. Meu ombro explode junto com a cabeça do gordo. Vejo o sangue jorrar no ar, meu corpo sente a perda do movimento de um dos braços, mas ainda tenho o outro. Num movimento lancinante, viro atirando em quem quer que seja. Meus sentidos aguçam neste momento, como num passe de bruxaria. Consigo dar dois tiros, acertando um na testa de outro soldado que se aproximava, e nas costas de um transeunte desesperado. O soldado mais próximo a mim, se enrola na hora de sacar a arma, dando tempo para eu virar. O soldado dispara e acerta meu estômago, no mesmo tempo em que acerto um tiro em seu peito. Desabo ao chão semi consciente. Os ferimentos ardem incontrolavelmente, rasgando a pele junto à carne. O sangue domina o perfume da chuva e o rubro a cor ao redor. Os gritos fazem uma sinfonia assustadora. Tudo por causa de um maldito baseado. As idéias se esvaem e o rosto cai pro lado. A chuva caindo violentamente lavando a alma que se põe junto ao sol. A paisagem se tornara o palco do terror, de certo veria meu nome nos noticiários, na verdade eu não veria, mas outros saberiam quem fui. O som da chuva aturdiu meus sentidos e os sonos dominam o vago, até o vazio dominar a fantasia.

domingo, junho 01, 2008

III - Imagem Sem Reflexo.









“Eu não sei mais onde me encontro. Todos meus alicerceis construídos, tão envoltos em névoas e fantasias, ruíram fulminante num lago de voragens incríveis. As quimeras habitavam vivamente as chuvas de um mundo real, desumano e sem sentido algum para o racional. Alguns diriam ser o diabo encarnado no osso e carne. Mas faltaria a alma louca e pesada, que tudo esmaga com a força da mão divina. Ergui estrepitando o pé no chão. O mundo girava e eu sabia bem disso, nada parava ao redor. Senti arquejar as forças que me mantinham em pé. O pulmão cuspia bolhas de sangue nas costelas. A multidão me constrangia cada vez mais, acusando-me em seus olhos de perturbado. Senti o gosto salgado em minha boca, tal qual um pingo de chuva adocicado pelo rubro. Um braço tentou agarrar minhas pernas. Recuei assustado num urro de dor. Parei e vislumbrei toda minha queda num suspiro. O abater dos sentidos não veio rápido. Ainda pude ver retinas famintas da multidão. Eu tremi em convulsões, arregalando os olhos numa súplica de razão. Não houve uma atitude sequer de iluminação, apenas urros e convulsões de minha parte. As quimeras agora tomavam formas diversas; colunas implacáveis de um exército invisível do passado agora atacavam minha memória. Nada pude fazer senão lacrimejar a insanidade; busquei a razão num soluço seco em vão. A escada de incêndio estava cheia de curiosos e de altruístas charlatões. Uma saudade invade meu coração confuso. A falta de um lugar onde estive muito pouco ardeu profundamente uma chama opaca em meus sentidos. Eu estive tão pouco tempo neste lugar, que poderia não ser verdade, contudo a saudade era latente e real. Podia ser o amor de minha vida esquecido, ou apenas um déjà vu. Gemi sorrindo pela dor aguda em meus ferimentos; lacrimejei pela alegria de um instante de saudade; tremi em convulsão frenética num desespero agonizante, cambaleando no espetáculo funesto da vida”.
O resto de energia que sobrara em seu cadáver, fora usado por estes últimos movimentos ébrios. As trevas dominaram seus sentidos num último suspiro de naufrágio. Os sonhos agora se faziam reais, entretanto não era o passado que lhe afligia as nesgas entre a realidade e a fantasia. Parecia ser um futuro incerto e cheio de novidades. A mão de uma mulher lhe acariciava a face num movimento tenro, enquanto os lábios doces, desta mesma mulher, lhe confortavam o desejo. Não havia tremor em seus sentidos, apenas o aconchego de uma certeza inexorável. Contemplou um pouco a visão por completo; a mulher e suas formas magníficas. Parou por um momento e levantou-se onde quer que esteja, deixando transparecer um leve sorriso inquieto. Começou a andar pelo recinto; não havia névoas cobrindo as nódoas da razão, tudo parecia tão real, tal qual o toque da dor; estava caminhando na sala, observando os móveis coloniais que adornavam a tudo com bastante graça; a cortina voava com desenvoltura junto as baforadas do vento, contornando a visão hipnoticamente em suas ondulações; a calma reinava soberana no ambiente; o piso suave e gelado refrescava o corpo do calor ameno, que cobria a brisa dos poros úmidos de suor. A porta se abriu sozinha num piscar de razão. Caminhou lentamente até a saída, a saudade se fez existir numa lágrima doce, no tempo em que as mãos limpavam o rosto. O horizonte estava magnífico, um verde que não tinha fim, junto a terra rubra que ornamentava o senso divino para os mais incrédulos. Um cachorro veio ao seu socorro e lhe acariciou a mão com o focinho. Ambos sentiram a ternura do toque. Uma mão segura a sua em um firme aperto de paixão. Desconcertado pelos sentimentos repentinos, Guilherme se vira assustado com o olhar firme e pronto as surpresas repentinas. O campo abria um convite com tal beleza, fazendo-o engolir em seco sua admiração. Sua boca colou em um beijo violento a uma mulher que nunca vira, mas que sabia reconhece-la do seu inconsciente. Guilherme desce as escadas para terra rubra e novamente se reencontra onde estivera tão pouco, todavia numa paz intensa como a dor da queimadura, que seria difícil esquecer e não sentir tamanha saudade. Tudo é vislumbrado como na primeira vez. Não era apenas o bucólico dia que lhe enchia de tanta serenidade, era o novo que lhe foi tão velho outrora, que agora se tornava ainda mais vivo.
“O toque da mão suave fez meu coração pulsar em todo seu vigor. Não contive um sorriso ao canto da boca que engoliu a lágrima, contudo sentia-me feliz. O sol me cegou aos poucos, a luz é insuportável a certas pessoas, fogem de sua lucidez para evitar respostas de seus fracassos, ou de erros inescusáveis. A dor se esvaía aos poucos. Procurei algo nos bolsos que pudesse explicar esta insana encenação de uma vida campestre sem sentido. Sempre fui um homem da cidade grande e do caos urbano, acontece que me sentia vivo, e a paz se fez tão real de imediato, fazendo-me perder o tempo dos acontecimentos”.
Correu até o horizonte que se expandia por toda miragem, ou imagem.
“Não sabia o que fazer com esta alegria que mal cabia em mim mesmo. Corri sem direção ao ponto de me perder. Estava longe da casa agora, não a via mais. Parecia estar perdido no meio de uma plantação de milhos. Apenas parecia, pois não poderia dizer que diabos era aquilo. Arranhava os braços e pernas no meio dos galhos retorcidos, saiam do chão como se fosse me arrancar a alma. Uma maldição ancorou em meu coração, sentia meu corpo pesar,e o sangue escorrer, fervendo por minhas entranhas. Fechei os olhos ao ser engolido por um corte no chão”.
Abruptamente o homem preso em galhos e terras, que o mastigavam com sua areia, urrou disforme e se desvencilhava da culpa pelos caminhos errados que decidira tomar. A vida que escolhera, na verdade não foram escolhas, foram decisões precipitadas e sem fundamentos; o desperdício de tempo em que gastara com importâncias ínfimas; fazer parte de um grupo que não o aceitara como seus sonhos o conduzia; agora o preço fora cobrado e tudo explodira em sua direção. As raízes o puxavam para o fundo, onde certamente, poderia rever o que acontecera até ali. Num milésimo de segundo tudo mudara. A cidade grande se tornara o cenário da perdição em seus sentidos. O grito ainda saía de sua garganta. Aflito e sem direção parou por algumas horas, prostrou estático, tal qual uma estatua, ou aqueles mímicos de rua que conseguem não se mover durante horas. Os motores lhe faziam espremer os miolos em fragmentos tão pequenos, que seria impossível conta-los. Olhou suas mãos de cima, examinando a palma e os pulsos. Guilherme estava encardido do pé a cabeça; seu cabelo parecia palha de aço, duro e imundo em cada fio; as roupas estavam rasgadas e irreconhecíveis, não saberia se dizer, o que era camisa ou calça; a poeira parecia soltar e sair de seu corpo a cada passo; a própria mão carregava uma crosta de imundice; a barba crescera não deixando ver nada além dos olhos; Não havia mais sapatos, apenas chinelos desbotados pelo uso e idade. A rua estava cheia e todos os notavam como um monstro a ser morto. Muitos passavam encarando com desprezo e repugnância, com medo do olhar paranóico e assustado de Guilherme. Não havia um olhar sequer que o julgasse, não havia uma só pessoa que não o reparasse. Sua carne fedia a verdade, do que somos feitos e produzidos. As pessoas continuavam vindo e indo com imensa rapidez, não notavam a semelhança em Guilherme; ele não podia ser humano. Não esta coisa ali em pé, carcomida pela sua própria desgraça. Continuavam notando este homem sujo que nem olham uma peça de teatro, esperando algo acontecer, algo que os espantassem, ou que ferissem seus sentidos. Estavam chocados com tal imagem. Uma quimera vinda dos infernos da realidade.
“Nada mais importava. Ainda via as raízes puxando minha carne, quando no segundo seguinte estava em pé olhando meu reflexo na vitrine de algum lugar na cidade. Não reconheci a pessoa pesada na minha frente, catatônica e aturdida pelo julgamento alheio. As máscaras passavam notando o óbvio e, após notarem minha presença, caíam pela fragrância do insuportável. Continuei parado vislumbrando a minha própria imagem refletida no vidro. O rosto me era familiar, mas o olhar estava perdido e sem direção aparente. A ambição que sempre carreguei em meu sorriso, sumira em faces tristes; em máscaras. Senti falta do sobrenatural e da insuportável fé. Cada pessoa que passava por mim, esfaqueava minha presença em olhares altivos. Estranhamente não sentia nada, parecia ser dono de mim ao menos, sem nada a perder ou ganhar, é fácil se tornar dono de seu destino; basta correr. Estava confuso. Aturdido pelo volume de sons que me cercavam. Entretanto continuei ruminando idéias e conjecturas; o dia é cada vez mais curto, e as possibilidades crescem conforme o tempo que nos abandona; as mãos se tornam amarradas quando o coração está inquieto; um moleque caminhava com seu fone de ouvido, indiferente a tudo sua volta, compenetrado em algo; uma senhora carregava uma sacola cheia de embrulhos, suas pernas arquejavam por causa do peso. A pele estava enrugada e danificada pela maquiagem excessiva. Usava óculos de caçapa e o cabelo caia pelos ombros maltratados. A saia puída ia até a canela, onde uma meia preta furada descansava. Uma leve corcunda a contraia; uma mulher em seus trinta anos andava impaciente e agitada. Era realmente bonita e realmente cega. Seu olhar era o mesmo do menino e seu fone. Compenetrada em algo, responsável e cheia de deveres; Mais uma mulher, em seus cinqüenta anos. Trajava uma mini-saia, um jeito bem menina de andar. Uma junção extremamente interessante; alguns garotos cruzam carregando uma bola. Estavam bastante agitados, tanta energia que seus poros não continham; Dois policiais trafegam conversando descontraídos. Esfrego a mão nos olhos com força, queria entender um pouco mais deste mundo. Vejo-me na Rio Branco, Centro da cidade. Um verdadeiro alvoroço me engole, tal qual o rasgo no chão, unido as raízes. Fiquei ainda mais desconcertado. Minha cabeça girava em voltas gigantescas, sentia náuseas e pensei estar morto por um segundo. Não seria assim tão fácil. Pessoas se atropelavam por todas as ruas, andavam num ritmo surreal, compenetrados, repetindo um mantra maldito. Todos me olhavam, julgavam e me esqueciam no passo seguinte; Prostrado. Aturdido. Assombrado. As duvidas mais inquietantes não me deixavam mexer um músculo sequer. Olhava o vazio que se tornara minha imagem. O passado morrera, não sabia onde encontra-lo. Minha memória secara sob o sol escaldante do desesperado cotidiano. Fazia uma força e espremia tudo com vigor em meu confuso cérebro”.
Subitamente, numa inesperada fração de segundos, era como se Guilherme ficara invisível. Sua imagem tosca e fétida era evitada sem olhares. Aqueles que passavam por ele mal o notavam, seguiam o rumo apressados e indiferentes. Tamanha insensibilidade trouxe à tona certo desespero aos olhos de Guilherme. Sentiu-se morto e sem sentido em sua vida. Sem passado, o que seria do futuro, ou pior, o que fazer do presente? Começar tudo de novo, talvez. Mas como se começar daqui? Guilherme teria que se redescobrir. Continuou imóvel por várias horas, estagnado nas mesmas idéias. Cansado resolveu andar e adentrou a multidão. Caminhava em passos lentos sem saber pra onde se dirigia, arrastava-se determinados momentos, deixando o corpo mole e cansado. Ao atravessar a rua, olhou para os carros e viu quimeras malditas em todas as direções, com grandes bocas soltando fumaças. Uma multidão atravessava a rua, dando uma breve impressão de que estes fugiam dos carros, ao invés de estarem caminhando. Guilherme detém os passos no meio da rua e começa a gritar em todas as direções.
“O que vocês pensam que estão fazendo? Para onde vão? Não vêem o que está acontecendo? Vamos usar a razão para o que se presta! Saiam de suas máscaras, invertam os sentidos daquilo que nos sufocam! Apedrejem os vidros daqueles que lhe oprimem o coração! Sejam sensatos ao menos uma vez na vida e a positividade se fará rei em sua esfera. Não se percam no materialismo, no consumo de nossas almas. Não existe a coletividade? Cadê vocês meus amigos, cadê? Libertem-se de suas amarras sociais, a vida esta se consumindo a todos os segundos, em todos os milésimos parcos que se vão! Neste momento já se foi um suspiro de vida! Saiam de suas casas! Saiam de suas máscaras! Nós somos um, porém muitos! Não se esqueçam de onde viemos! Não se esqueçam que voltaremos para lá! Enxerguem! Transpirem! Respirem! Sacudam! Vivam! Viva! Vivam! Viva”!
Muitos riram da cena, não entenderam porra nenhuma do que se gritava ali. Uns apressaram o passo para não ser contagiado por estranha doença. Algumas faces assustadas desistiram de atravessar a rua, detiveram-se onde estavam e só não mudaram a direção por curiosidade. Guilherme de repente viu os carros novamente, não eram mais quimeras do inferno, nem pesadelos de uma mente louca. Olhou a todos com semelhante curiosidade, daqueles que lhe observavam. Não sentiu medo, tão pouco receio. Sentiu uma incrível indiferença, a vergonha não escorria de seus poros, apenas um ódio transformado em calma. A razão parecia lhe abandonar, entretanto via-se lúcido, com escolhas e perspectivas. Faltava apenas a memória para poder reencontrar suas escolhas. Não queria ser nada mais do que ele mesmo, sem devaneios, sem demasiadas perguntas sem respostas. Tudo caberia de novo na palma de sua mão, como costumava ser no passado. Passou por inúmeras lojas e frivolidades de consumo. Nada despertou seu interesse real. Parava em frente as vitrines para o desespero dos comerciantes, parava com cara de chapado e observava tudo com dor, um certo olhar mortificado pelos desejos, queria sentir o fulgor ardente novamente, de uma vida apaixonada e plena de gozos, contudo não estes de consumo parco; camisas de marca; camisetas; calças; sapatos de grife; tênis absurdos; inutilidades de consumo; meias; bonés caríssimos; relógios; pulseiras; jóias; colares; brilhantes; um comercio crescente de quinquilharias sem fim. Queria desfrutar novamente a sabedoria; continuou sua caminhada quando a fome exorbitou em um grave ruído no estômago. Dirigiu-se até uma lanchonete lotada de gente. O servente não gostou nem um pouco de vê-lo ali. Chegou a tentar enxotá-lo com algumas palavras firmes. Guilherme apenas fechou a cara e pediu algum salgado, porém seu pedido não foi atendido. Resolveu pedir para algumas pessoas comendo no recinto, o que aumentou ainda mais a sua fome. Não havia percebido antes o tanto que estava faminto, a barriga revirava-se do avesso em busca de alguma sobra estomacal. Sentia tudo se contrair num forte ronco. A boca salivava, enquanto o aroma delicioso lhe aquecia a imaginação de um bom prato de comida. Distanciou-se do ambiente e sentou perto de um poste, com os braços enroscados nas pernas. Abaixou a cabeça e se concentrou para esquecer um pouco a fome. Cada vez mais o apetite se alimentava de sua consciência, deixando transparecer em seus olhos perdidos seus próximos atos de desespero. Estava calçando sapatos, reafirmou-os nos pés, ajeitou o paletó imundo no corpo e o abotoou. Levantou, ajeitou as calças e afivelou um pouco mais o cinto. Respirou fundo e se concentrou. Fechou os olhos e imaginou a certeza de que tudo iria terminar bem. Numa explosão muscular, aliada ao desespero, saiu correndo em direção à lanchonete, esbarrando em alguns transeuntes que comiam por lá. Saltou a bancada num pulo só. Todos ficaram aturdidos com a desordem, não dando tempo para reação. Guilherme agarrou alguns salgados e uma garrafa de mate. Um funcionário ainda tentou segura-lo, contudo desvencilhou-se num puxão com o braço que levou o pobre funcionário ao chão. A lanchonete era em plena rua, com um balcão apenas e as pessoas comiam em volta. Num outro pulo já estava na rua e correndo feito um maldito, pois sabia ser um condenado. O desespero reforçado pela adrenalina, compelido pela fome, é capaz de fazer os homens produzirem façanhas. Guilherme corria tal qual um lince tresloucado no Centro do Rio, as pernas lhe ardiam descompassadas na disritmia do percalço. Os olhos cerrados o fazia colidir com outras pessoas; uma senhora foi ao chão, esperneando violentamente, de certo quebrara o pulso. Guilherme apertou ainda mais a corrida, os poros lacrimejavam a dor de seus músculos. A respiração lhe oprimia as palavras, o pensamento era suprimido pela vontade de respirar e, na fuga desenfreada, esconder-se em qualquer canto da cidade. Outros transeuntes admiravam assustados, olhos cheios de assombro, acompanhando os passos largos e velozes daquela estranha figura; o próprio Executivo da Adversidade. A visão era turva, tal qual o raciocínio. Não havia outro meio se não fugir. Contudo não fugia apenas do perigo real aparente dos que o perseguia, mas sim de toda a confusão em sua cabeça. Fugia da loucura em busca de razão. Algo que explicasse toda a insanidade que lhe afetava aquele momento. Buscava em cada passo uma fração de memória. Lembrou vagamente de ter sido um homem respeitado; de uma casa repleta de gente; de fatos e acontecimentos aleatórios, como reuniões familiares, amigos pelos cantos da cidade e relações com prostitutas. O cansaço não o deixaria mais correr, o músculo reteso ardeu em todas as fibras. Impressionante a capacidade de sublimarmos os inconvenientes em determinadas necessidades. Já estava na Cinelândia, quando parou e vomitou ao pé de uma estátua. Guilherme se joga no chão, sentando ao lado do vômito e espera seus perseguidores. Olha atentamente para todos os lados, gira a cabeça em todas as direções convulsivamente. Os olhos esbugalhados lhe deformam a face. No ritmo de sua corrida, devora os salgados em apenas algumas mordidas mal mastigadas. Num gole acaba com a garrafa de mate. As pernas tremiam descompassadas causando a desordem no corpo, impossibilitando de dar continuidade a fuga. Continuou sentado e esperou o pior. Despertado por uma idéia descontrolado, decide passar seu próprio vômito nos braços e dorso. O fedor fica insuportável, todavia o estômago agüenta o fétido, evitando novas náuseas. De longe avista uns dois guardas municipais se aproximando. De certo seguiram seu rastro até ali. Ambos vinham em passos rápidos e largos, e sempre buscando a imagem.
“Meu diafragma alfinetava minha respiração ofegante. Os músculos das pernas tremiam involuntariamente; o perfume do meu próprio vômito no braço trouxe um desconforto, mas não chegou a causar ânsia. Segurei firme e esperei. Fiquei a espreita dos funcionários, ou sabe-se lá quem estava atrás de mim. Queria lembrar, mas estava perdido. Olhava minha vida como um todo, vendo apenas meus segundos anteriores. Alguma força comprimia meu cérebro, dando certa impressão, de que cedo ou tarde, explodiria. As ações que eu escolhi como forma de vida sumiram em seus significados. Estava livre; sou livre. Eu não podia caber em mim mesmo, tudo aquilo que eu poderia ter feito, tudo o que eu poderia fazer, ao mesmo tempo e agora. Não havia fim para tantas possibilidades; era apenas uma questão de oportunidade. Sentir a presença do momento certo e agir. Junto com as escolhas via esvair minha vida, em cada segundo de existência. A velocidade do tempo tragava tudo, devorava vorazmente a vitalidade. Junto a isso não podia mais viver oprimido, precisava liberar toda exaltação vital em minhas veias; a fúria de viver. Perscrutava cada milímetro do instante seguinte, cada adorno em meus pensamentos. Olhava o vazio e via tudo; o todo. Podia antever o momento de minha morte. Ela acenando de longe, contudo perto o suficiente para sussurrar em meus ouvidos que ela virá. Não tive medo; resignei-me. Não há nada o que possamos fazer quanto a isso. E o tempo passa e se arruína; deteriora-me e aceito. As vezes esqueço que estou vivo, fico suspenso parado no tempo; não há dor; não há alegria; constrangimento; eficácia; superação; felicidade; esperança; amor; retorno; expectativa; liberdade; vergonha; pudor; medo; idéias; equilíbrio; apenas um enorme vácuo onde o nada se propaga. Estagnado numa posição, olhando para um ponto fixo no horizonte, além de minhas idéias, ruminava os pontos de idas e vindas de minhas vertigens ante as probabilidades. Um homem, ao qual nunca vi mais gordo, senta-se ao meu lado. Mesmo com o vômito ao meu corpo, também aquele cheiro acre, forte e nauseabundo, não o fez recuar. Apenas sentou ao meu lado e puxou um fumo. Vestia-se bem, um terno bem elegante de uma grife famosa, com listras verticais bem definidas. Seus sapatos reluziam a serenidade de seus olhos. A barba bem feita lhe dava um aspecto de mafioso. Com toda a calma do mundo tirou um isqueiro do bolso e acendeu o cigarro. A fumaça lentamente impregnou o ambiente. O sonho se fez completo, em sua fantasia, as névoas do pesadelo haviam saído de seu abismo. Não senti vergonha, como deveria, em meu estado de sonolência, apenas uma leve paz. Ergui meus olhos em sua direção.
- Você provavelmente não irá se lembrar de mim. – Interpelou o sujeito, antes que eu dissesse realmente algo. Mantive o silêncio.
- Não se preocupe, aliás, não se importe nem um pouco. Não fará muita diferença isso agora. Mas as coisas não podem continuar assim. Isso foi a vida que você escolheu pra si? – A medida que falava, via certa similaridade em seu semblante. Em algum lugar eu havia visto aquele rosto, e não foi longe. – Olhe para você, procure algo que o satisfaça e faça. Não adianta ficar ai sentindo pena de si.
- Não estou sentindo pena de mim, estou vivendo do jeito que posso. – Disse gesticulando a mão no ar.
- Não vejo deste modo. – Proferiu em som macabro, após uma profunda baforada. A fumaça inundou o céu com nuvens poluídas.
- To me fodendo pro jeito que você vê, nem ao menos sei quem é... – Demonstrei um pouco de agressividade, não gosto destes merdas metendo o bedelho onde não são chamados.
- Você sabe muito bem quem sou. Apenas não quer ver a resposta. Esta estampada na sua cara. – As pupilas dele estavam redondas, pareciam duas bolas de boliche. Um tanto estranho estar ali, sentado com tal lunático. O que ele gostaria de encontrar aqui? – Eu estive em muitos lugares, já estive em diferentes pontos do mundo e situações. Vi coisas que a humanidade não gostaria de lembrar, entretanto fica em sua história torpe.
- Mas do que diabos você está falando? – O cheiro do vômito ainda perambulava o ambiente.
- Saia e veja o que pode mudar em você, para que tudo possa mudar.
- Quem disse que preciso mudar? Tenho tudo o que quero, apenas me fugiu uma pequena parte da história.
- E o que somos sem história? O que somos sem o passado que nos condena, ou as ações que nos glorificam? A vida foi inventada para ser feita, desfazer a vida é mais fácil, e fazemos isso todos os dias.
- Pare com este apo furado. Estou construindo todos os dias uma nova estrada, a persigo como se minha vida dependesse disto...
-... E que estrada você pegou agora? Chegou à encruzilhada, está à espera de alguém decidir por você. Está parado olhando as estradas mudarem, sem tomar direção. Está vislumbrado com as possibilidades aparentes e não consegue antever os próximos passos. A busca pela razão é a essência de todo ser que se vele, e saber por saber é apenas mais uma masturbação.
- Não vai falar agora que está tudo em minhas mãos... – Interpelei.
-... Não tem curiosidade de ver o depois de cada estrada?
- Provavelmente me levará ao fim, se eu ficar parado por ali, posso ver as pessoas passando.
- Não são as pessoas que estão passando, você é que está ficando. As oportunidades estão se esvaindo. – Fiquei um tempo olhando para seu rosto tentando reconhecer a fisionomia limpa e bem tratada daquele maluco. A pele macia e bem barbeada, reluzia o sol, sem sombras, sem deformidades. A serenidade ilusória me assustava um pouco.
- A questão é conseguir lidar com o que você tem em mãos. E eu tenho tudo comigo, tudo o que preciso. – Cocei um pouco a barba.
- Concordo de que tenha tudo que precisa, mas não está utilizando nem a metade do que pode. E os planos? – Dizendo isso, alinhou o terno na gola e empertigou-se como um pavão.
- Que planos? – Disse num tom sarcástico.
- Precisamos de confabulações?
- Mas do que é que você está falando?
- O melhor caminho a ser traçado, é disso que eu estou falando. O que você acha que está fazendo nas ruas? Brincando de pique esconde? – Estava mais exaltado, sua fisionomia ficou um pouco distorcida pela sobrancelha.
- Claro, estou me escondendo das coisas que não preciso.
- E você precisa disto? – Afirmou apontando para o meu estado precário. Certamente ele tinha sua razão de ser, entretanto também tinha a minha. Aconteceu um lacônico silêncio. Não sabia o que dizer. – Você nem sempre foi assim, se lembra? – Acontece que eu não lembrava. – O que aconteceu com a sua família? – tentei voltar o assunto, não gosto de me sentir pressionado, ainda mais com assuntos que não faço idéia.
- Eu me escondo sim de coisas que não preciso, existem muitas necessidades que pra minha pessoa não é prioridade, veja bem...
- Não mude de assunto, sabe muito bem ao que me refiro – Interrompeu de sobressalto.
-... As necessidades foram feitas e inventadas, pelo menos estas que estão aí... - desencadeei.
- Muitas foram, outras são da nossa natureza. Se a natureza do homem é ser socialmente aceito, se enquadrar não seria natural? A necessidade é enquadrar o homem a sociedade, através do consumo; do poder; do status; dos vícios; medo; marginalização; padronização; exclusão. Indiferença; ignorância; burrice; falsas ideologias; espetacularização; cosmopolita; liquidez; lixos culturais; tráficos; tráfegos; mesquinhez; monopólios; subjugados; massacre; políticos corruptos; políticas ineptas; desperdício; desamor; precariedade; abandono. O ser humano é peculiar em sua necessidade, junto com a sua natureza. Não cabe a um ser julgar a todos. Impossível afirmar que estas necessidades inventadas pelo nosso modelo atual, sejam as necessidades de um todo.
- estou perdido...
- Respeitar a individualidade do ser, não quer dizer abandonar o coletivo e deixar de dar auxílio às necessidades de subsistência.
- O que isso tem a ver comigo? – O labirinto se formou em minha frente. Não sabia aonde ir.
- Não fuja de si, lembre-se, pense. – Parecia tão fácil lembrar, infelizmente nada me vinha a mente, exceto quando ele acentuou uma palavra, que serviu de chave ao passado. – Gostou do seu almoço? – A palavra almoço soou leve aos meus ouvidos, algumas imagens foram tomando forma em minha visão. Parecia ver realmente o que estava acontecendo, como num filme”.
Dois guardas Municipais se aproximam, estavam afoitos e ofegantes. Sentiram um tremendo asco ao observar Guilherme todo cagado de vômito. O nojo era tanto que saíram de perto fingindo não achar o indivíduo em questão. Um dos guardas ainda vomitou ao se virar. Guilherme conversava com o ar, falando com os ventos e dialogando com o vazio. Alguns ainda olhavam de soslaio a cena, mas seguiam seu caminho sem se importarem muito. Guilherme se imaginava em outros tempos, em outras horas, num lugar distante dali. Talvez ele não estivesse mesmo ali, fosse tudo um espaço perdido no urbano maldito e as vozes submergidas sejam apenas umas reflexões.
Tal qual uma mudança de pensamento, Guilherme via-se sentado num restaurante lendo um cardápio. Estava vestindo um terno bem alinhado. Seu rosto estava barbeado e limpo. A imaginação alimentava sua fome de viver.